23.6.07

Cinema dos Primórdios: Chiado Terrasse

Em plena Rua António Maria Cardoso, outrora conhecida como Rua do Tesouro Velho, nasceu, em 1908, um espaço que marcaria para sempre a história do cinema em Lisboa: o Chiado Terrasse. Foi o primeiro cinema da cidade construído de raiz para esse fim, e rapidamente conquistou o público e a crítica. A sua fama não era por acasoporque se destacava pela amplitude das instalações, pela diversidade e inovação dos seus programas e, sobretudo, pelo sucesso do animatógrafo “falado”, uma novidade tecnológica que encantava os espectadores. A sala tinha capacidade para 650 pessoas, um número impressionante para a época, tornando-se num dos recintos mais importantes e concorridos da capital.

Mas a história não parou por aí. Em 1910, o responsável pelo cinema, Sabino Correia, decidiu investir em melhorias: construiu uma esplanada, procurando atrair ainda mais público, transformando o espaço num ponto de encontro social. Já em 1911, foi a vez do arquitecto Tertuliano de Lacerda Marques redesenhar a fachada, conferindo-lhe um estilo mais erudito e clássico, que reforçava a sofisticação e o prestígio do edifício.  











Em 1916, António Augusto Tittel e Alberto do Valle Colaço tornaram-se responsáveis pelo espaço e iniciaram uma série de transformações no edifício, conferindo-lhe o aspecto exterior que permaneceria até ao seu desaparecimento, para além da construção de um pequeno palco que seria utilizado por uma companhia de revista. Pouco tempo depois, este cinema voltou a ter um novo dono de seu nome Arthur Emúz, um empresário ligado ao negócio cinematográfico, gerente da empresa distribuidora “A Internacional Sociedade de Cinematografia, Limitada” como também do Salão Trindade.





     Foi também um espaço de encontro entre a música, o espetáculo e a modernidade. Em 1918, durante a inauguração da temporada de Inverno, o público foi brindado com a apresentação do sexteto privativo da sala, onde brilhavam nomes de destaque do panorama musical português, como Teófilo Russel, Flaviano Rodrigues e Carlos Quillez. A experiência cinematográfica ganhava assim uma dimensão mais completa, envolvendo imagem e som ao vivo. Poucos anos depois, em 1921, o verão trouxe uma nova aposta: a inclusão de números de variedades no programa, transformando o espaço num palco versátil que conciliava o cinema com outras formas de arte e entretenimento.

    A década de 1930 marcou uma viragem estética. O seu interior foi remodelado em estilo Art Deco, acompanhando as tendências internacionais e reforçando o prestígio desta sala, que já era considerada um ícone cultural de Lisboa.





   Apesar da sua bilheteira imponente e pouco amigável para os mais pequenos, mantinha o charme acolhedor de uma verdadeira sala de bairro. O Chiado Terrasse não era apenas um espaço para ver filmes — era um ponto de encontro, um refúgio cultural onde o tempo parecia abrandar.

   Com o passar dos anos, este cinema reinventou-se, dedicando-se à exibição de "reprises", filmes que já tinham passado pelas grandes salas, mas que ganhavam nova vida entre os seus espectadores fiéis. Essa aposta revelou-se certeira: criou uma comunidade de cinéfilos apaixonados, que ali encontravam não só entretenimento, mas também memória e nostalgia.

   E como era ir ao cinema naquela época? Em 1930, os preços praticados por este cinema refletiam a diversidade de lugares e experiências: os camarotes, mais exclusivos, custavam 18$00; o balcão, mais acessível, ficava por 5$00; a 1ª plateia, com uma vista privilegiada, saía por 5$50; e a 2ª plateia, mais modesta, por apenas 3$00. Valores que hoje parecem simbólicos, mas que na altura representavam diferentes formas de viver o cinema.





  Em 1972, o Chiado assistiu a uma transformação discreta mas profunda. O edifício que outrora acolhera o emblemático cinema Chiado Terrasse foi demolido por dentro, num processo que preservou apenas a sua fachada, como se a memória arquitectónica fosse mantida à superfície, enquanto o interior se reinventava por completo.

   A propriedade, pertencente à família Levy, foi vendida ao Banco Fonseca e Burnay, marcando o fim de uma era cultural e o início de uma nova função comercial. Mais tarde, o espaço viria a albergar uma agência da Caixa Geral de Depósitos, mantendo a estrutura exterior como uma espécie de homenagem silenciosa ao passado. No entanto, apesar da fachada intacta, algo se perdeu no caminho: os elegantes candeeiros que iluminavam a entrada e o lettering artístico que anunciava o cinema desapareceram, levando consigo parte da graciosidade que tornava aquele edifício especial. 


Actualmente, alberga o Consulado Geral da Republica Federativa do Brasil.



Fontes: 
ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012

RIBEIRO, M. Félix, Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939, Lisboa, Instituto Português de Cinema/Cinemateca Nacional, 1978

- https://restosdecoleccao.blogspot.com/2015/06/chiado-terrasse.html

http://cinemaaoscopos.blogspot.com/2009/12/chiado-terrasse-1908-1972.html

- http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=2103020&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

- http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=2103021&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

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- http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=2172949&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

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