O
aparecimento do cinema deixou os lisboetas completamente rendidos à novidade. O
entusiasmo com que esta arte foi recebida levou à repetição de quadros, para
além daqueles que estavam programados, como também o próprio aparelho de projecções era uma novidade incluída na programação da sala.
A sua própria
apresentação era singular, visto que o aparelho era colocado no fundo do palco
pelo operador de onde, passados alguns minutos, saía um intenso foco de luz que
mostrava figuras projectadas numa tela translúcida fixada na boca de cena. Como
estava fora do campo de visão dos espectadores, o aparelho transmitia uma magia
nunca antes presenciada, sendo vista como um acontecimento ímpar de curta
duração e que se encaixava facilmente nos repertórios das salas que foram
aparecendo. O animatógrafo era apresentado nos intervalos ou no final de outros espectáculo adaptando-se com naturalidade aos lugares por onde passava.
O
público acorria em massa, tornando este novo espectáculo num êxito tremendo e
sem precedentes. É importante realçar que um novo tipo de público germinava na
escuridão da sala de projecção: o público consumidor e também cinéfilo.
Graças a
este alvoroço, foram surgindo outras salas que iriam se dedicar às sessões de
animatógrafo. Eram espaços teatrais que não foram exclusivamente construídos
para a experiência do animatógrafo, mas que foram aderindo à novidade com o
decorrer do tempo. A sua adaptação a cinema foi fomentada pelo sucesso e
características do animatógrafo, como também por causa das características dos
próprios edifícios.
Um dos primeiros teatros a aderir a esta novidade foi o Teatro São Luiz, inaugurado em 1894
com pompa e circunstância, contando com a presença da monarquia. Na altura, o
teatro chamava-se Teatro Rainha D. Amélia em homenagem à sua madrinha. Dois
meses depois da primeira exibição cinematográfica no Real Coliseu, este espaço
também aderiu à experiência utilizando para o efeito material de projecção mais
aperfeiçoado e superior.
O aparecimento deste teatro deveu-se ao dinamismo e persistência de Guilherme Silveira (ator e ensaiador) que, juntamente com personalidades como o Visconde São Luiz Braga, Celestino da Silva, Alfredo Miranda, Alfredo Waddington e António Ramos, constituiu uma sociedade com o propósito de edificar um espaço teatral em Lisboa. O próprio Guilherme Silveira seria o gerente deste espaço durante cinco anos até à sua morte em 1900, tendo sido substituído pelo Visconde São Luiz Braga, que desempenhou esta função de uma forma brilhante e proficiente. Este viria a ser substituído em 1917 (devido à sua morte) por António Ramos, que era familiar do escritor Ramalhão Ortigão.
O
edifício tinha um ar cosmopolita e “parisiense” graças ao projecto do arquitecto
francês Louis Reynaud. Os foyers eram visitados pela sociedade elegante da
época e este espaço era o palco que acolhia companhias estrangeiras e as
maiores figuras teatrais europeias da altura. E com uma lotação que chegava aos
939 lugares, este edifício ganhou o estatuto de gigante. A sua
inauguração decorreu com uma opereta intitulada A Filha do Tambor-Mor, da autoria de Ofenbach, que conquistou a
crítica mas não o público. Contudo, uma nova casa de espectáculos tinha nascido.
Em, 1910, foi rebaptizado de Teatro República devido à queda da monarquia e em jeito de comemoração pela implantação da República. Contudo em 1914 um incêndio destruiu completamente o edifício, obrigando a uma reconstrução que seguiu o esboço original.
A sala em forma de ferradura apresentava importantes alterações como: a substituição dos camarotes de segunda ordem que estavam no fundo da sala por um extenso balcão, como também a possibilidade de transformar a plateia num salão de baile graças a um mecanismo inovador, posto em prática pelo Arq.º Tertuliano Marques.
A reabertura do espaço ocorreu em 1916 com a peça Os Postiços de Eduardo Schwalbach, interpretada pelos mais prestigiosos actores de teatro da época com Ângela Pinto, Chaby Pinheiro, Augusto Rosa, etc. A partir daí e até à década de 1930, este espaço recebeu diversos artistas nacionais como Eduardo Brazão, Rosa Damasceno, Adelina Abranches, Palmira Bastos, etc.
Este espaço passou a cinema em
1928 (com a designação de São Luiz Cine) e a sua estreia foi com a exibição do
filme Metrópolis de Fritz Lang, que
era acompanhado de uma orquestra. Em 1930 (com algumas modernizações) passou a
ser o primeiro cinema sonoro em Portugal, apetrechado com a aparelhagem da
marca Westrex, estreando um dos mais importantes fonofilmes europeus da altura
intitulado Prémio de Beleza,
realizado por Augusto Genina e desempenhado pela inesquecível Louise Brooks.
Porém a partir da década de 1960 este cinema começou a perder público, o que levou ao
regresso sem sucesso do teatro. Em 1971, a Câmara Municipal de Lisboa comprou o
edifício, de modo a injectar uma nova vida ao espaço com uma série de temporadas
apresentadas por uma nova companhia teatral residente encabeçada por Eunice Muñoz. Mais tarde seria a vez de Amália Rodrigues regressar
a este teatro para ser homenageada.
Em 1998, o teatro sofreu uma grande obra de remodelação e ampliação, tendo
sido visados a sala principal e o palco, como também foram criadas novas zonas
de apoio como uma sala estúdio, um café-concerto e um restaurante.
Actualmente, este teatro (localizado na Rua António Maria Cardoso no Chiado é um dos
principais pólos culturais da cidade alfacinha, afirmando-se como um espaço
vivo e importante onde fervilham público, animação e talento.
Fonte:
- ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012
- RIBEIRO, M. Félix, Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939, Lisboa, Instituto Português de Cinema/Cinemateca Nacional, 1978