29.4.18
Odeon: uma nova habitação de luxo
As crescentes exigências relativamente à segurança e o conforto do público, aliadas aos novos requisitos técnicos que o cinema sonoro necessitava, influenciaram a modernização de antigas salas. O novo regulamento dos teatros, publicado em 1927, impôs um conjunto de regras obrigatórias que refletia a sistematização progressiva da noção de "espectáculo cinematográfico" e os novos procedimentos que as salas deveriam adoptar. A partir daqui, eram exigidas licenças de funcionamento após a aprovação dos projectos e das respectivas vistorias. Também era obrigatório o registo prévio do exercicio da actividade e a existência de uma autorização, sob a forma de "visto", para a realização de cada espectáculo.
Também começaram a existir normas específicas que levaram à alteração drástica da organização interior das salas. O imperativo do espaçamento entre cadeiras, de pelo menos 30 centrímetros; a obrigatoriedade de existir uma coxia central na plateia e nos balcões e a imposição de serem também introduzidas coxias laterais, com uma largura mínima de 70 centrímetros, para não falar da largura obrigatória para as escadas de acesso e das medidas que deveriam ser tomadas reltivamente à iluminação suplementar e bocas-de-incêndio, eram normas que iriam dificultar a continuidade da grande maioria dos recintos. Assim, estes postulados levaram à modernização das salas, bem como seriam empregues nos novos cinemas construídos de raiz.
No local exacto da Drogaria Ferreira, importante estabelecimento fundado em 1755, após o terramento que destruíu metade de Lisboa, entre a Rua dos Condes e a Rua de Santo Antão, foi edificado o Cinema Odeón, que era para se designar Cinema Iberia.
Para a sua construção, foi constituída uma empresa denominada Parisiana Limitada, com os sócios Anastácio Fernandes, proprietário da referida drogaria, Augusto Correia de Barros, antigo dono da drogaria, mas proprietário do terreno, Dr. Eduardo Fonseca, médico oftalmologista, e o pintor Matoso da Fonseca, que seria o futuro director-gerente do cinema.
Após quatro anos de construção laboriosa, o cinema foi inaugurado a 19 de setembro de 1927. Estiveram presente no evento entidades oficiais, imprensa, elementos das relações da empresa, entre outros.
Havendo, oportunamente, firmado contrato com a Metro-Goldwyn Mayer, este cinema abriu as portas ao público dois dias depois. O filme de estreia foi "A Viúva Alegre", de Eric von Stroheim, com Mai Murray e John Gilbert, e que René Bohet, o director da orquestra privativa, sublinhou musicalmente com segurança e o brilho a que viria a habituar o público.
Até ao inicio da epóca de 1929-1930, o cinema foi gerido pela sua empresa proprietária. Contudo, uma nova empresa viria a gerir o mesmo: Salm, Levy Junior & Companhia. Esta empresa geria a Companhia Cinematográfica em Portugal, pioneira da distribuição cinematográfica no país e orientada pelo cinematografista Salomão Levy Jr. Depois da passagem de René Bohet para o Teatro São Luiz, onde seria o responsável pela sua orquestra, seria anunciado que Juan Fabre seria o novo director da orquestra do Odeón.
Em 1937, a exploração deste cinema seria detida por Vicente Alcântara que, como José Castello Lopes e outros, iniciara a sua actividade no cinema como empregado da Companhia Cinematográfica de Portugal. Ele iria gerir este cinema durante muitos anos, como também os cinemas Palácio e Royal.
Os preços dos bilhetes eram por volta de 1930: camarotes de balcão, 20 escudos; camarotes de 1ª ordem, 20 escudos; camarotes de 1ª ordem, lado: 15 escudos; maples, 8 escudos; 1º balcão, 1ª fila, 6,50 escudos; outras filas, 6 escudos; 2º balcão, 1ª fila, 4 escudos, outras filas, 3,50 escudos.
O autor do projecto deste cinema foi o construtor Guilherme A.Soares. A capacidade era de 691 espectadores, distribuidos pela plateia, dois balcões e camarotes, sendo um deles suspenso.
O conjunto da sala de espectáculos era formado por um tecto em forma de quilha de um navio, em madeira de "pau brasil",e que se encontra intacto até hoje, depois de anos de abandono; pelo lustre alemão de néons gigantes; pelo luxuriante palco com moldura e frontão em relevo Art Deco; pela complexa teia do palco, com o seu pano de ferro; e pela série de camarotes, galerias e balcões em andares, compondo um exemplar único, o último existente em Portugal.
Pela tela deste cinema passaram clássicos do cinema mudo e sonoro, a preto e branco ou a cores, de Fritz Lang a Tod Browning, passando por George Cukor e Frank Capra.
Pelo seu palco, passaram inúmeros artistas como Laura Alves, Lola Flores, Hermínia Silva, entre outros.
Até António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho entre 1933 e 1968, tinha um camarote cativo neste cinema, até 1970.
Na década de 1960, e por uma questão estratégica de mercado, dedicou-se à projecção de filmes espanhóis e mexicanos, garantindo o seu sucesso comercial ao preencher um nicho de mercado de aficionados espectadores.
Na segunda metade da década de 1980, este cinema iria exibir filmes pornográficos, até que encerrou definitivamente em 1993.
Durante 25 anos, este cinema foi definhando por dentro e por fora, tal como o Cinema Paris. A luta pela sua preservação foi encetada por Paulo Ferrero, líder e fundador do fórum "Cidadania LX", que tem sido incansável na defesa do património lisboeta.
Foi ele que iniciou o processo de classificação deste edificio no IGESPAR, entre 2005 e 2009, tendo o pedido sido revogado em 2010, acabando com o processo.
No entanto, a Câmara Municipal de Lisboa e a Direcção-Geral do Património já decidiram o futuro deste cinema, que vai ser reconvertido em restaurante e dez apartamento de luxo, com estacionamento subterrâneo robotizado, num total de 2750 metros quadrados.
O projecto é promovido pela imobilária Odeon Properties, que comprara o edificio em 2016. Este projecto será da autoria do Arq.º Samuel Torres de Carvalho, conhecido pelos hóteis Memmo em Alfama e no Príncipe Real. As obras irão começar em julho, conforme previsão de Julien Dufour, um dos sócios da Odeon Properties, e com data prevista de término em 2020.
Fontes:
- RIBEIRO, M. Félix, Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939. Lisboa, Instituto Português de Cinema/Cinemateca Nacional, 1978
- ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012
- https://restosdecoleccao.blogspot.pt/2013/02/cinema-odeon.html
- https://observador.pt/2018/04/23/habitacao-de-luxo-e-restaurante-futuro-do-cinema-odeon-comeca-em-junho/
- http://ruinarte.blogspot.pt/2016/10/o-cine-teatro-odeon-lisboa.html
- https://observador.pt/2018/04/23/habitacao-de-luxo-e-restaurante-futuro-do-cinema-odeon-comeca-em-junho/
- https://leitor.expresso.pt/diario/02-06-2014/html/caderno-1/temas-principais/03_tp-cinemas-2