Monumental- O "Gigante" dos anos 50

O Monumental e o seu nome diz tudo: grandeza, imensidão, colossal...um enorme ponto de referência de Lisboa, mais concretamente na Praça do Saldanha, onde existiu durante largos anos.

Cinema Império - Outro "Gigante" Lisboeta

Em Maio de 1952, seria inaugurado o Cinema Império, localizado na Alameda D. Afonso Henriques, que contou com as presenças de diversas individualidades importantes da altura.

EDEN - O "GIGANTE" dos Restauradores

O novo Éden Teatro foi inaugurado em 1937 com a apresentação da peça "Bocage", interpretada pelo actor Estevão Amarante, numa cerimónia memóravel presidida pelo Chefe de Estado, o Marechal Carmona.

Cinema Vale Formoso: Para quando a sua reabilitação?

Entre as décadas de 1950 e 1970, este cinema (a par de outros como o Júlio Dinis, Terço, Passos Manuel, etc.) foi considerado como uma das salas de referência da cidade do Porto, tendo sido explorado pela Lusomundo.

Águia De Ouro - Clássico do Porto

Em 1930 viria a inaugurar-se o cinema sonoro com o filme All That Jazz com Al Jolson. O Águia d'Ouro seria então considerada uma das melhores salas do Porto.

14.4.24

Cinemas do Paraiso: Portalegre

Há cidades que parecem guardar memórias em cada esquina, e Portalegre é uma delas. Se hoje fala-se de multiplexes e pipocas XL, houve uma época em que a magia do cinema se vivia em teatros oitocentistas, cine-parques ao ar livre e cine-teatros modernistas. Inspirado pelo desafio lançado por Frederico Corado no grupo Cinemas do Paraíso, e recordando o olhar apaixonado de Lauro António, viajamos por três palcos míticos da cidade: o Teatro Portalegrense, o Cine Parque Caroço e o Cine-Teatro Crisfal.

Inicio com o Teatro Portalegrense, que se situa no Largo Visconde de Cidrais, Travessa do Erguido em pleno centro da cidade. Inaugurado a 20 de junho de 1858, este teatro começou em grande estilo: a primeira peça foi o drama Alfageme de Santarém, de Almeida Garrett. Projetado por José de Sousa Larcher e inspirado no Teatro Ginásio de Lisboa, foi o primeiro teatro de Portalegre e é hoje o sexto mais antigo ainda de pé em Portugal.

Fachada do Teatro Portalegrense (©️ SIPA) 

Fachada do Teatro Portalegrense (©️ SIPA) 

Arquitectónicamente, este edificio foi inspirado no Teatro Ginásio de Lisboa, na sua versão oitocentista. E como tal funcionou, nessa época onde os Teatros da Província serviam para exibição dos espectáculos de Lisboa em tourné nacional e de suporte a grupos e companhias locais. Foi o primeiro edificio a ser contruido para teatro em Portalegre, sendo o sexto teatro mais antigo do País ainda subsistente em Portugal.

Em 1906, assistiu-se à introdução do cinematógtafo neste teatro, com  a organização de 3 sessões. Em 1908, e após diversas beneficiações, este teatro dispunha de um auditório que acomodava o público em 5 frisas, 15 camarotes de 1ª ordem, 15 de 2ª ordem, 45 fauteils, 48 lugares superiores, 84 de geral e 2 galerias. Em 1910, foram feitas beneficiações nas áreas da circulação (vestibulo, portas e escadas da plateia) e de apoio ao publico (bilheteira e restaurante). 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Publico, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Tribuna Alentejo, 2022) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ NIT, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

No final da década de 1920, assiste-se a uma decadência progressiva deste teatro, que ficou à margem da dinamização cultural e recreativa, que se desenvolveu em Portalegre, através e outros espaços e circuitos de produção. É por esta altura que, neste teatro, começa a exibir-se filmes, sem que por isso se dispusessem de equipamentos adequados e concebidos  de acordo com os novos modelos  construtivos e arquitectónicos. É neste contexto que surge a ideia da construção de uma nova sala de espectáculos.

Na década de 1940, é considerado como um espaço incapaz para local de espectáculo pela Inspecção-Geral dos Espectáculos, que autoriza o seu funcionamento condicionado, acentuando a degradação da sua estrutura.

Anúncio de Revista Vaudeville "O Pé Descalço" de 1941 (©️ Museu do Fado) 

Segundo Lauro António, era um teatro antigo (algo arruinado), influenciado pelo estilo italiano, na vertical, composto por plateia, frisas e camarotes. Existiam normalmente 4 sessões semanais (3ª, 5ª feiras, sábado e domingo) e, ocasionalmente, teatro. Por ali passaram companhias de revista e grandes nomes da cena nacional. O próprio Lauro António lembrava o edifício como um teatro “à italiana”, vertical e aristocrático, ainda que já meio arruinado. E há quem nunca esqueça: em 1985, foi aqui que a mítica Amélia Rey Colaço subiu ao palco pela última vez, com El-Rei Sebastião, de José Régio.

Mas nem só de glória viveu este teatro. Na década de 1980, o interior foi transformado em… ringue de patinagem, imagine-se, com camarotes a assistir a piruetas em vez de dramas! Mais tarde, foi sede de clube desportivo e até da IURD. Hoje está classificado como Monumento de Interesse Municipal, mas desde 2013 procura comprador (em 2019, até estava no OLX por 350 mil euros).

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Em 1932, a escritura de compra e venda do Teatro Portalegrense realizada pela sociedade proprietária ao empresário Jorge Frederico Vellez Caroço, estipulava que não poderia ser dado outro uso a este imóvel, sem que previamente se edificasse uma nova casa de espectáculos em Portalegre. Convém salientar que Vellez Caroço (um antigo oficial do Exército, deputado e senador da I República) geria na época todas as casas de espectáculo da cidade, nomeadamente o Cine Parque Caroço, uma estrutura instalada na cerca da antiga "Fábrica Real" (actualmente, Câmara Municipal), junto ao Jardim da Corredoura, inaugurada em Agosto de 1930. 


Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Segundo Lauro António, este cinema era a versão alentejana do “drive-in”, mas sem carros. Nas noites quentes, Portalegre reunia-se numa esplanada ao ar livre para ver filmes sob as estrelas.

O ambiente era irresistível: cadeiras dispostas em classes (de “Reservados” a “Geral”, com preços entre 1$50 e 5$00), refrigerantes no bar para combater o calor, rebuçados e amendoins comprados à entrada… e a possibilidade sempre real de levar com uma chuvada de verão em plena sessãoHavia casa cheia quatros vezes por semana (3ª e 5ª feiras, Sábado e Domingo). Actualmente, o espaço encontra-se ao abandono.

Era a prova de que, no Alentejo profundo, também se podia viver o glamour cinematográfico, ainda que com a meteorologia a desafiar a paciência dos espectadores.

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Segundo Lauro António (2021), o Cine Teatro Crisfal, localizado ao cimo do Jardim da Corredoura, era um edificio típico da década de 1950, inserido na febre dos Cine-teatros existentes no país, em réplicas inspiradas no Cine-teatro Monumental em Lisboa. 

Lauro António, então adolescente, assistiu à sua inaguração a 29 de setembro de 1956, com uma actuação da companhia Amélia Rey Colaço-RoblesMonteiro, que, para assinalar o facto, permaneceu neste espaço durante uma pequena temporada, com duas ou três peças do seu repertório. 

Placa de inauguração de 29-09-1956 (©️ Discoteca Crisfal, 2006)

Este edificio foi obra de iniciativa privada, construído por um conhecido industrial de Santo António das Areias. A designação "Crisfal", advém da obra poética de Cristóvão Falcão, poeta nascido em Portalegre, ao que se supõe, entre 1515 e 1518, no seio de uma família nobre. Foi uma personagem curiosa, aventureira e talentosa, tendo sido educado no Paço, desde novo, onde aprendeu Belas Artes e casou com uma menor sem consentimento dos familiares, o que o levou á prisão durante 5 anos no Castelode São Jorge, em Lisboa. Ao sair, procurou pela amada que se encontrava no Mosteiro do Lorvão e iniciou a sua éscrita da écloga "Crisfal", que retrata a paixão arrebatadora por essa mulher. Em 1542, o Rei D. João III, para evitar escândalos, envia Cristóvão para Roma como seua gente particular. Regressado ao reino, é despachado em 1545 como capitão da fortaleza de Arguim em África. Novamente no continente, volta a ser preso em 1547, por agressão a um fidalgo. Em 1551, é perdoado, casando 2 anos depois com Isabel Caldeira, perdendo-se o seu destino a partir daí, tal como acontece com o herói no final da écloga "Crisfal", cujo nome tudo indica que seja criptónimo de Cristóvão Falcão. Esta obra foi publicada entre 1543 e 1546, numa folha volante e, mais tarde, em volume. 

O Cine-teatro Crisfal, projectado pelo Arqt.º Domingos Alves Dias, em colaboração com o Eng.º Raul Dias Subtilé um edificio de 2 andares, que apresenta uma arquitectura modernista, cultural e recreativa, com linhas rectas, volumes articulados, decoração despojada, com relevo e pinturas monumentais na fachada e paredes. A sua sala de espectáculos é composta por plateia, frisa, 1º e 2º balcões, placo, teia e cávea. A plateia divide-se em pares e ímpares, com 22 filas com 12 lugares cada. Contem frisas ao fundo, quatro de cada lado da entrada. O 1º balcão é suportado por 8 colunas  lisas e estreitas, dividido em pares ímpares, com 10 filas com 12 cadeiras cada. O 2º balcão com cinco filas de cadeiras. O palco contém uma cávea por baixo, boca de cena com moldura azul e dourada, écran de projecção na parede, ao fundo, e teia com varandim, com 3 janelas para o exterior, junto ao tecto.


Plantas do Piso 0 e 1 do Cine-teatro Crisfal (©️ Frederico Corado)














Imagens exteriores e interiores do Cine-Teatro Crisfal (©️ SIPA, 2001)

Mas o Crisfal não era só fachada: ao longo da década de 1980 acolheu o Festival Internacional de Cinema de Portalegre, dirigido por Lauro António. E aqui fica uma nota divertida: o aquecimento central era tão arcaico que, nas sessões de inverno, os portalegrenses levavam cobertores de casa para aguentar o frio, para além das cadeiras pouco confortáveis, em mau estado de conservação.  Verdadeiro cinema “à portuguesa”!

Imagens exteriores e interiores do Cine-teatro Crisfal em 1989 (©️ Frederico Corado)

O "Festival Internacional de Cinema Portalegre" realizou-se por 3 vezes, com ajuda camarária, apesar do acordo que nunca se fez para a compra do imóvel. Para manter a sala aberta e assegurar a continuidade do festival, por mais 2 anos, Lauro António teve de gerir este cine-teatro, com os seus custos associados. Apesar disso, conseguiu aguentar 2 temporadas e 2 festivais, onde perdeu imenso dinheiro, com fins-de-semana de lotação esgotada, mas com perto de 11 empregados de sala que não podiam ser despedidos e filmes a cobrarem mais de metade da receita, para além dos custos astronómicos com lâmpadas que se fundiam rapidamente e artigos de higiéne. Contudo, Lauro António assume que "foi uma experiência curiosa, só possivel pelo cruzar de duas paixões: o cinema e Portalegre" (2021).  



Cartazes do Festival Internacional de Cinema Portalegre (1988-1990 ©️ Frederico Corado)

Programa do 2º Festival Internacional de Cinema Portalegre - 1989 (©️ Frederico Corado)
 



Imagens cedidas por Frederico Corado

Em 2007, quando visitou Portalegre, Lauro António cruzou-se com a filha do tal industrial de Santo António das Areias, proprietário do edificio, que lhe explicou o projecto que tinha em mente para manter o edificio activo, com outras funcionalidades, nomeadamente uma discoteca, bar e estúdio por forma a cativar os jovens da região. Esta nova vida durou somente 5 anos.




Imagens do interior da Discoteca Crisfal (©️ Blogue da Discoteca Crisfal, 2006)

Com a inauguração do Centro de Artes e Espectáculos a 5 de novembro de 2006, e com a exibição de filmes também no Museu das Tapeçarias, este cine-teatro assinou o seu atestado de morte como sala de espectáculos. Em 2017, este edificio encontrava-se à venda no OLX, tendo sido classificado como Monumento de Interesse Municipal, no Aviso n.º 8595/2022, DR, 2.ª série, n.º 81 de 27 abril 2022. Incluído na Área Protegida da Serra de São Mamede.

Lauro António (2021) recorda como era viver a experiência cinematográfica na década de 1950 em Portalegre. Os cinemas publicitavam as suas sessões nos jornais locais, mas sobretudo numas folhas volantes em A4, de fina textura, quase transparentes, que se distribuiam na sessão anterior e depois pelas mesas dos cafés mais frequentados, sendo impressas na Tipografia Casaca.


Fontes:

ANTÓNIO, Lauro. Masterclasse - Os filmes que eu amo: "A Última Sessão". Em Fórum Luisa Todi, 2021. <https://www.forumluisatodi.pt/wp-content/uploads/2021/10/FolaSala-UltimaSessao.pdf>;

ANTÓNIO, Lauro. Tempo de Liceu em Portalegre. Em blogue "Lauro António apresenta...", 2007. <https://lauroantonioapresenta.blogspot.com/2007/06/tempo-de-liceu-em-portalegre.html>;

CÂMARA MUNICIPAL DE PORTALEGRE. Edificios Modernistas. Actual. <https://www.cm-portalegre.pt/visitantes/turismo/patrimonio-cultural/edificios-modernistas/>;

CARDOSO, Berta. Teatro Portalegre, Revista Vaudeville "O Pé Descalço" 1941. Em Museu do Fado <https://www.museudofado.pt/en/collection/poster/teatro-portalegrense-revista-vaudeville-o-pe-descalco-1941-en>;

CRUZ, Duarte Ivo. Os problemas do velho Teatro Portalegrense. Em e-cultura.pt. <https://www.e-cultura.pt/artigo/23941>;

LARGO DOS CORREIOS. Maria Barroso - Sob o signo de Benilde - seis. Em blogue "Largo dos Correios", 2015. <https://largodoscorreios.wordpress.com/2015/08/12/maria-barroso-sob-o-signo-de-benilde-seis/>;

PORTALEGRE ABANDONADA. Cine Parque. <https://www.facebook.com/100063504799127/posts/538626232979691>;

SIPA. Edificio do Cine-teatro Crisfal. 2001. <http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10749>;

SIPA. Teatro Portalegrense. 2005. <http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=21346>;

TRIBUNA ALENTEJO. Teatro Portalegrense continua à venda e ao abandono. 2022. <https://tribunaalentejo.pt/artigos/teatro-portalegrense-continua-a-venda-e-ao-abandono?fbclid=IwAR1GN-sjkTaan02FIKq5R_zlJ_Vh583inmV-yYWFljCN0OJ5CWnB8bqcGbA_aem_AZu05CqEGF7tg_9CgjaK2RR5uasH3hMnl8B9tB83TQnBoggX7yR4-CH-ahUJ-dDHpacuy5gckl7s3CHorRJUrRRI>;

UMBELINO, Lina. Desculpe, sabe onde fica o centro? Lisboa: Primeiro Capitulo, 2023. <https://books.google.pt/books?id=i_jpEAAAQBAJ&pg=PT35&lpg=PT35&dq=cine+parque+caro%C3%A7o+portalegre&source=bl&ots=ytPIKX_smY&sig=ACfU3U2sQ_0KJbPgXrZaPSQwEd40A0PGzQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwj14bvJgbuFAxUo_AIHHfGzDPs4ChDoAXoECAQQAw#v=onepage&q=cine%20parque%20caro%C3%A7o%20portalegre&f=false>;

7.4.24

Capitólio: um gigante salvaguardado

  Hoje, a paragem é em Lisboa, mais precisamente no icónico Parque Mayer, situado junto à elegante Avenida da Liberdade. Este espaço, que pulsa com memórias de teatro, música e cinema, é um verdadeiro símbolo da vida cultural lisboeta do século XX.

  Entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, Lisboa viveu uma expansão notável. A cidade modernizou-se, cresceu em população (impulsionada por migrações internas) e viu nascer novos bairros na periferia, que começaram a descentralizar a oferta cultural, antes concentrada em zonas nobres como o Chiado, o Rossio e a própria Avenida da Liberdade.

  Foi neste contexto de transformação que surgiu o Cine-teatro Capitólio, uma obra ousada e inovadora que rompeu com os estilos clássicos da época, abraçando a estética modernista. A sua localização no Parque Mayer (inaugurado em 1922 como espaço dedicado às variedades) foi estratégica: já existiam ali dois teatros populares, o Maria Vitória e o Variedades, mas faltava uma sala de cinema que completasse a oferta de entretenimento para os lisboetas.

A resposta veio com a inauguração do Capitólio, promovida pela Sociedade Avenida Parque, Lda., formada por figuras influentes da época. Esta sociedade adquiriu o terreno aos herdeiros do milionário Adolfo Lima Mayer, e construiu o edifício no local onde antes existira a Esplanada Egípcia, um espaço de lazer que deu lugar a um novo polo cultural multifuncional, dedicado ao teatro, cinema e música.

Planta do alçado principal do Cineteatro Capitólio – 1925/1929

(Leite, J., 2011)

Planta do alçado lateral do Cineteatro Capitólio – 1925/1929

(Leite, J., 2011)

Fases de construção do Cineteatro Capitólio – 1925/1929

(Leite, J., 2011)

Fases de construção do Cineteatro Capitólio – 1925/1929

(Leite, J., 2011)

 O arquitecto Luís Cristino da Silva, considerado um dos pioneiros do Modernismo na arquitectura portuguesa do Século XX, projectou este edificio entre 1925 e 1929, em estreita colaboração com o Engenheiro José Belard da Fonseca (responsável pela inovadora estrutura de vidro e betão na fachada principal). 


Arquitecto Luís Cristino da Silva (Cardoso, A. 2014) 


Engenheiro José Belard da Fonseca (Google)

Inaugurado em julho de 1931, este edificio não foi só mais uma sala de espectáculos em Lisboa, foi uma verdadeira revolução arquitectónica e tecnológica no coração do Parque Mayer. Num tempo em que a cidade se modernizava a passos largos, este edifício destacou-se pelas suas inovações arrojadas e pela estética vanguardista que o tornaram num ícone da capital.

Uma das grandes novidades era a escada rolante (algo raríssimo na época) que levava os visitantes até um terraço panorâmico com 11 metros de altura, ideal para acolher espectáculos ao ar livre e oferecer uma vista privilegiada sobre Lisboa. Este elemento não só reforçava o carácter moderno do edifício, como também o tornava num espaço multifuncional e dinâmico.

Mas as surpresas não ficavam por aí. O Capitólio foi equipado com um dos melhores sistemas de som do mundo, da prestigiada marca Bauer, elevando a experiência cinematográfica a um novo patamar. E a sua arquitectura não deixava ninguém indiferente: o enorme salão podia abrir-se para o exterior através de portas de vidro em faixas horizontais, criando uma ligação fluida entre o interior e o espaço público. A fachada original, marcada por linhas verticais e horizontais, era dominada por um painel de vidro iluminado que se erguia como um verdadeiro farol urbano, captando a atenção de quem passava pela Avenida da Liberdade. Era uma afirmação de modernidade, de cultura e de inovação... tudo num só edifício.



Esplanada- terraço (Leite, J., 2011)




Entrada principal (Leite, J., 2011)


Sala de espectáculos (Leite, J., 2011)


Sala de espectáculos  (Leite, J., 2011)


Sala de espectáculos (Leite, J., 2011)

  Este espaço, já inovador desde a sua inauguração em 1931, não parou de se reinventar ao longo das décadas. Em 1933, apenas dois anos após abrir portas, sofreu a sua primeira grande remodelação: as elegantes portas envidraçadas foram entaipadas e surgiu uma novidade que encantou os lisboetas... uma cabine cinematográfica instalada no terraço-esplanada, permitindo a realização de sessões de cinema ao ar livre, algo absolutamente pioneiro para a época.

 Dois anos depois, em 1935, a sala de espectáculos foi novamente transformada. Um segundo pavimento foi introduzido, com balcão e camarotes, aumentando significativamente a capacidade do espaço para 1.400 lugares. Esta ampliação refletia não só o sucesso do Capitólio, mas também a crescente procura por cultura e entretenimento na Lisboa em expansão.

  Já em 1966, o Capitólio voltou a ganhar nova vida pelas mãos do célebre empresário teatral Vasco Morgado. Com uma visão moderna e pragmática, este decidiu remover os camarotes, o que permitiu aumentar a plateia e o balcão, melhorar a acústica e oferecer maior conforto aos espectadores. Esta intervenção consolidou o Capitólio como uma das salas mais versáteis e avançadas da cidade.

Fachada  (Leite, J., 2011)

Esplanada-terraço (Leite, J., 2011)

Balcão e camarotes (Leite, J., 2011)

Planta e preçário de 1953 (Leite, J., 2011)


Apesar das várias remodelações e da sua importância como espaço cultural e arquitectónico, o Cine-teatro Capitólio não escapou ao desgaste do tempo e às mudanças nos hábitos de consumo cultural. Ao longo das décadas, o brilho que outrora iluminava o Parque Mayer começou a esmorecer.

Este cinema, nos seus últimos anos de actividade, afastou-se da sua vocação original e passou a exibir filmes pornográficos, numa tentativa desesperada de atrair público e manter-se relevante. Mas essa estratégia não foi suficiente para travar o declínio. A sala, que já tinha sido palco de cinema ao ar livre, espectáculos musicais e teatro, viu a sua reputação desvanecer-se. Em agosto de 1990encerrou definitivamente as portas, vítima da falta de público e da ausência de investimento. O edifício, que em tempos fora símbolo de modernidade e inovação, ficou em silêncio,  à espera de uma nova oportunidade para renascer.


Declínio do Cineteatro Capitólio 


Declínio do Cineteatro Capitólio 


Declínio do Cineteatro Capitólio 

Reconhecido pelo seu valor histórico e artístico, foi oficialmente classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n.º 8/83, de 19 de janeiro, e protegido por uma zona especial de salvaguarda, definida pela Portaria n.º 529/96, de 1 de outubro.

Após o seu encerramento em 1990, o edifício não caiu no esquecimento. A sua acústica excepcional atraiu a atenção da Orquestra Metropolitana de Lisboa, que passou a utilizar o palco para ensaios. Houve também quem sonhasse mais alto: surgiu a proposta de transformar o Capitólio num museu dedicado ao cinema, em articulação com a Cinemateca Portuguesa. No entanto, durante anos, o destino do edifício permaneceu incerto, apesar das várias ideias de revitalização que iam surgindo.

No início do século XXI, o Parque Mayer voltou ao centro do debate urbano. Em 2004, o arquitecto Frank Gehry apresentou um projecto ambicioso que previa a demolição do Capitólio para dar lugar a novas estruturas. A proposta gerou polémica e mobilizou cidadãos e especialistas. Em 2006, graças à acção de um grupo de defensores do património, o Capitólio foi incluído na lista dos 100 edifícios históricos mais ameaçados do mundo, elaborada pelo World Monuments Fund, uma decisão que travou a demolição e reforçou a sua importância cultural.

Em 2008, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu preservar o edifício como teatro e lançou um concurso público de reabilitação, com o objectivo de recuperar o projecto original do arquitecto Luís Cristino da Silva. A proposta vencedora foi a do atelier do arquitecto Alberto Souza Oliveira, que se destacou por respeitar a identidade modernista do edifício, ao mesmo tempo que o adaptava às exigências contemporâneas: segurança, versatilidade e conforto para os espectadores.



Maquetas do projecto de reabilitação do Arquitecto Alberto de Souza Oliveira, de 2008 

  Depois de décadas de incerteza e abandono, o Cineteatro Capitólio voltou a brilhar em outubro de 2016, com uma reabertura que devolveu à cidade um dos seus espaços culturais mais emblemáticos. Propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, o edifício foi cuidadosamente restaurado e adaptado às exigências contemporâneas, sem perder a sua identidade histórica. A qualidade do projecto foi reconhecida com a atribuição do prestigiado Prémio Valmor de Arquitectura, um selo de excelência que celebra o melhor da arquitectura lisboeta.

  Durante cinco anos, a gestão do novo Capitólio esteve a cargo da empresa "Sons em Trânsito", que foi responsável por revitalizar o espaço com uma programação vibrante e diversificada, desde concertos e peças de teatro a eventos culturais e corporativos. O Capitólio voltou a ser um ponto de encontro para quem procura cultura com qualidade e inovação.

  A grande força do Capitólio reside na sua versatilidade. A sala principal pode ser configurada para espectáculos em pé ou sentados, e o palco pode ser posicionado ao centro, criando uma experiência imersiva e dinâmica para o público. O terraço, com vista sobre Lisboa, foi também adaptado para receber eventos ao ar livre, especialmente durante os meses de verão, tornando-se num dos espaços mais procurados da cidade para festas, concertos intimistas e sessões de cinema sob as estrelas.



Novo Cineteatro Capitólio, inaugurado em 2016 

O Cineteatro Capitólio foi salvaguardado, reabilitado e revitalizado, com o objectivo de se adaptar aos padrões contemporâneos e ganhar novas funcionalidades. A intenção era clara: injectar nova vida económica e social no Parque Mayer, tornando-o novamente num polo cultural vibrante e atrativo para diferentes gerações.

No papel, tudo parecia promissor. A arquitectura foi respeitada, a versatilidade do espaço garantida, e a reabertura em 2016 trouxe esperança de um novo ciclo. No entanto, a realidade revelou-se mais complexa. Apesar da reabilitação exemplar, o Capitólio não conseguiu cumprir plenamente o papel de motor de revitalização do Parque Mayer. A sua programação, embora pontual e de qualidade, tem sido escassa e pouco integrada com os restantes espaços do parque. O público entra, assiste ao espetáculo e sai, sem gerar movimento ou dinamismo na envolvente.

O Parque Mayer, outrora efervescente, continua a viver uma espécie de hibernação cultural. Nem mesmo a instalação da tenda com o Palco Ticketline conseguiu inverter essa tendência. E o Teatro Variedades, atualmente reabilitado e em funcionamento, viu a sua capacidade reduzida drasticamente, de cerca de 1000 lugares para pouco mais de 300, o que levanta dúvidas sobre o seu impacto futuro.

Hoje, o Teatro Capitólio está sob gestão da EGEAC, entidade municipal responsável por vários equipamentos culturais em Lisboa. O desafio que se coloca é claro: como transformar este espaço emblemático num verdadeiro catalisador de vida urbana e cultural, capaz de devolver ao Parque Mayer o protagonismo que teve no século XX?


Nova fachada do Cineteatro Capitólio, inaugurado em 2016 
 

FONTES:

ACCIAUOLI, M. (2012). Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX. Editorial Bizâncio. pp. 82-87;

CAETANO, M.J. (2018, fevereiro, 21). Teatro Capitólio com programação regular a partir de sexta-feira. Diário de Notícias. https://www.dn.pt/artes/teatro-capitolio-com-programacao-regular-a-partir-de-sexta-feira-9134645.html/;

CARDOSO, A.F.M. (2014). A comunicação do projecto à obra : reabilitação do Cineteatro Capitólio. [Dissertação de Mestrado, Universidade Lusíada de Lisboa]. Repositório das Universidades Lusíadas. pp. 71-119. http://repositorio.ulusiada.pt/handle/11067/1567;

EGEAC (s.d.). Capitólio. https://egeac.pt/espacos/capitolio/?doing_wp_cron=1707590408.9527080059051513671875;

LEITE, J. (2011, junho, 07). Cine-Teatro Capitólio. Restos de Colecção. https://restosdecoleccao.blogspot.com/2011/06/cine-teatro-capitolio.html;

RIBEIRO, M.F. (1978). Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa, 1896-1939. IPC/Cinemateca Nacional. pp. 147-148;

SALGUEIRO, T. B. (1985). Dos animatógrafos ao cinebolso. 89 anos de cinema em Lisboa. Finisterra20 (40). pp. 379-397. https://revistas.rcaap.pt/finisterra/article/view/2062;

SIPA (2011, julho, 27). Teatro Capitólio. http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3129.