Monumental- O "Gigante" dos anos 50

O Monumental e o seu nome diz tudo: grandeza, imensidão, colossal...um enorme ponto de referência de Lisboa, mais concretamente na Praça do Saldanha, onde existiu durante largos anos.

Cinema Império - Outro "Gigante" Lisboeta

Em Maio de 1952, seria inaugurado o Cinema Império, localizado na Alameda D. Afonso Henriques, que contou com as presenças de diversas individualidades importantes da altura.

EDEN - O "GIGANTE" dos Restauradores

O novo Éden Teatro foi inaugurado em 1937 com a apresentação da peça "Bocage", interpretada pelo actor Estevão Amarante, numa cerimónia memóravel presidida pelo Chefe de Estado, o Marechal Carmona.

Cinema Vale Formoso: Para quando a sua reabilitação?

Entre as décadas de 1950 e 1970, este cinema (a par de outros como o Júlio Dinis, Terço, Passos Manuel, etc.) foi considerado como uma das salas de referência da cidade do Porto, tendo sido explorado pela Lusomundo.

Águia De Ouro - Clássico do Porto

Em 1930 viria a inaugurar-se o cinema sonoro com o filme All That Jazz com Al Jolson. O Águia d'Ouro seria então considerada uma das melhores salas do Porto.

12.10.24

Max Cine - o cinema do Alto do Pina

Lisboa guarda na sua memória colectiva histórias fascinantes sobre os antigos cinemas de bairro ou de "reprise", espaços que foram muito mais do que simples locais de exibição de filmes. Um desses exemplos é o Max Cine, popularmente apelidado de “piolho”, que marcou gerações no Bairro do Alto do Pina, uma das zonas mais densamente povoadas da cidade.

Segundo Ribeiro (1978), até finais da década de 1920, os moradores deste bairro viviam sem uma sala de cinema própria. O vazio cultural foi finalmente preenchido em 1929, quando surgiu o Max Cine na Rua Barão de Sabrosa, inaugurado a 14 de setembro. A homenagem do nome não poderia ser mais cinéfila: Max Linder, o comediante francês considerado a primeira grande estrela internacional do cinema.

Max Linder (1883-1925)

Projectado pelos engenheiros Jacinto Bettencourt e Deolindo Vieira, o Max Cine destacava-se pela sua simplicidade e ambiente acolhedor. Tinha 700 lugares distribuídos entre plateia, balcão e camarotes, garantindo conforto num bairro que ansiava por entretenimento. Uma particularidade curiosa era a cabine de projecção: ficava fora do corpo principal do edifício, isolada, como acontecia também no Cinema Olímpia. Como nota Acciaiuoli (2012), a sua arquitectura, com elementos que lembravam um pequeno templo. Talvez não seja coincidência que, décadas mais tarde, essa semelhança tenha facilitado a adaptação do espaço a funções religiosas.

Fachada do Max-Cine (©️ Lisboa de Antigamente, 2017)

Fachada do Max-Cine (©️ Restos de Colecção, 2016)

Embora fosse sobretudo um cinema de "reprise" (dedicado a exibir filmes já lançados), o Max Cine teve momentos de maior protagonismo, chegando a estrear alguns títulos. Em 1931, a revista Cinéfilo noticiava uma campanha curiosa: às quartas-feiras, todos os leitores da publicação tinham 50% de desconto nos bilhetes, independentemente do lugar escolhido. Um gesto que aproximava o cinema ainda mais da sua comunidade.

À semelhança de outros cinemas lisboetas, como o Palatino em Alcântara ou o Salão Portugal na Ajuda, este cinema mantinha uma organização espacial muito próxima dos teatros: palco, plateia, balcões, camarotes e até um buffet no balcão. Lustres decorativos e fotografias de actores completavam o cenário. Esta versatilidade não era por acaso: a legislação da época exigia que os recintos pudessem receber tanto teatro como cinema, o que tornou a experiência arquitectónica dos “piolhos” relativamente uniforme.

Max-Cine na Revista "Cinéfilo" de 1930 (©️ Restos de Colecção, 2016)


Programa de 10 de março de 1935, da colecção de Carlos Caria (©️ Restos de Colecção, 2016)


Bilhete de 13 de novembro de 1961, da colecção Carlos Caria (©️ Restos de Colecção, 2016)

Durante cerca de 40 anos, o Max Cine iluminou as noites do Alto do Pina. Contudo, em 1968, a empresa Max Cine, Lda., decidiu vender o edifício. A compra foi feita pela Paróquia de São João Evangelista, e não pelo Patriarcado de Lisboa, como chegou a circular. A escritura foi assinada a 1 de maio de 1968, e pouco tempo depois o antigo cinema transformou-se numa igreja, servindo a crescente comunidade do bairro.

Assim, o Max Cine seguiu um destino que não foi raro entre as velhas salas de Lisboa: a reconversão. O que antes foi um palco de emoções cinematográficas tornou-se num espaço de espiritualidade e culto, mantendo-se vivo, de outra forma, na vida do bairro.

Max-Cine encerrado em 1967 (©️ Restos de Colecção, 2016)

Igreja São João Evangelista (©️ Restos de Colecção, 2016)


Fontes: 

ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012.

RIBEIRO, M.F. Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema : Cinemateca Nacional, 1978

- https://restosdecoleccao.blogspot.com/2016/02/max-cine.html;

- https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2017/01/max-cine-o-piolho-do-alto-do-pina.html.


31.8.24

Cinemas do Paraíso: Mina de São Domingos

Depois de um período de férias no coração alentejano, com paragem obrigatória na Mina de São Domingos, trago-vos a história de um espaço que foi muito mais do que quatro paredes e um ecrã: o Cine-Teatro da Mina de São Domingos.

Inserida na imensa Faixa Piritosa Ibérica, esta localidade foi durante séculos moldada pela exploração de ouro, prata e cobre. Mas foi já em plena modernidade, sob a batuta da empresa britânica Mason & Barry, entre 1854 e 1966, que a Mina conheceu o seu maior esplendor. Foram extraídas milhões de toneladas de minério, mas a riqueza que daqui saiu não se mediu apenas em números: trouxe progresso, inovação e vida cultural.

Imagine-se o cenário: no meio de um Alentejo ainda marcado pela ruralidade, aqui existiam ferrovia própria, ligação fluvial pelo Guadiana, telégrafo, telefone, luz elétrica e até o primeiro hospital da região. Não faltava nada a esta “cidade mineira” em miniatura. E, claro, não podia faltar um cinema.

Localizado na zona “nobre” da povoação, junto ao jardim e ao campo de jogos, o Cine-Teatro da Mina de São Domingos tornou-se no coração cultural da comunidade. Com um auditório de 162 lugares, servia em simultâneo de palco teatral e de sala de projecção.

A partir da década de 1920, quando o cinema mudo ainda fascinava plateias, ali se exibiam regularmente filmes que faziam sonhar os mineiros e as suas famílias. Em 1938, chegou o cinema sonoro, e a Mina, mais uma vez, estava na vanguarda em relação às localidades vizinhas. Há quem defenda que foi aqui instalado o primeiro Cinemascope do Alentejo, projectando histórias em ecrã largo e dando ainda mais dimensão à magia das imagens em movimento.

Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ CEMSD)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ CEMSD)

Interior do Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ CEMSD)

Bilhete de 1955 do Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ CEMSD)


Noticia sobre o Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ CEMSD)

De acordo com o SIPA (2003), o edifício, arquitectonicamente, não procurava ostentação: um corpo rectangular, fachadas brancas com apontamentos vermelhos, cobertura em duas águas e aberturas pensadas de forma prática. O interior era funcional, com uma plateia acolhedora e um palco sem fosso de orquestra, mas suficiente para acolher tanto peças como sessões de cinema. No entanto, o que lhe faltava em opulência, sobrava-lhe em alma. Era aqui que se viviam tardes de estreia, noites de espectáculo, convívios e partilhas. Um verdadeiro farol cultural numa região isolada, onde o ecrã iluminava sonhos e trazia ecos de um mundo distante.

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

Cine-teatro da Mina de S. Domingos, antes de 2012 (©️ SIPA)

O fim da exploração mineira trouxe consigo a decadência inevitável. O cinema resistiu até à década de 1980, muitas vezes já dedicado a filmes de "reprise" ou produções de “Série B”. Com o abandono da Mina, também o Cine-Teatro mergulhou no silêncio.

Mas a história não terminou aí. Classificado como parte integrante do Conjunto de Interesse Público da Mina de São Domingos (Portaria 414/2013), o edifício foi alvo de obras de recuperação e reabriu em 2012, requalificado em 2019. Hoje é gerido pela Fundação Serrão Martins e acolhe o núcleo expositivo do Centro de Documentação da Mina, devolvendo ao espaço a sua função como lugar de memórias.

Interior do Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ CEMSD)

Interior do Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ Fundação Serrão Martins)

Fachada lateral do Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ Google Maps)

Entrada principal do Cine-teatro da Mina de S. Domingos (©️ Google Maps)

O Cine-Teatro da Mina de São Domingos é um símbolo de como a cultura se entrelaça com a história social e económica de uma região. Representa um tempo em que a Mina era motor de progresso e palco de modernidade, mas também a capacidade de uma comunidade em manter viva a sua identidade.

Quem hoje visita a localidade pode passear pelo circuito patrimonial, refrescar-se na Praia Fluvial da Tapada Grande e, claro, entrar neste edifício que continua de pé. Mais do que paredes e projecções, este Cine-Teatro é memória viva de um povo que sonhou com o futuro… à luz de um projector.


Fontes:

- CENTRO DE ESTUDOS DA MINA DE SÃO DOMINGOS. Disponivel na Internet: <https://cemsd.pt/node/10966>

- FUNDAÇÃO SERRÃO MARTINS. Cine Teatro da Mina de S. Domingos. Disponivel na Internet: <https://www.fundacaoserraomartins.pt/index.php?id=cine-teatro-da-mina-de-s-domingos>

- SIPA. Cine-Teatro da Mina de São Domingos. Disponível na Internet: <http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=11189>

- VISIT MÉRTOLA. Mina de S. Domingos, Património Mineiro. Disponivel na Internet: <https://www.visitmertola.pt/experiencias/cultura-em-mertola/mina-de-s-domingos-patrimonio-mineiro/>

14.4.24

Cinemas do Paraiso: Portalegre

Há cidades que parecem guardar memórias em cada esquina, e Portalegre é uma delas. Se hoje fala-se de multiplexes e pipocas XL, houve uma época em que a magia do cinema se vivia em teatros oitocentistas, cine-parques ao ar livre e cine-teatros modernistas. Inspirado pelo desafio lançado por Frederico Corado no grupo Cinemas do Paraíso, e recordando o olhar apaixonado de Lauro António, viajamos por três palcos míticos da cidade: o Teatro Portalegrense, o Cine Parque Caroço e o Cine-Teatro Crisfal.

Inicio com o Teatro Portalegrense, que se situa no Largo Visconde de Cidrais, Travessa do Erguido em pleno centro da cidade. Inaugurado a 20 de junho de 1858, este teatro começou em grande estilo: a primeira peça foi o drama Alfageme de Santarém, de Almeida Garrett. Projetado por José de Sousa Larcher e inspirado no Teatro Ginásio de Lisboa, foi o primeiro teatro de Portalegre e é hoje o sexto mais antigo ainda de pé em Portugal.

Fachada do Teatro Portalegrense (©️ SIPA) 

Fachada do Teatro Portalegrense (©️ SIPA) 

Arquitectónicamente, este edificio foi inspirado no Teatro Ginásio de Lisboa, na sua versão oitocentista. E como tal funcionou, nessa época onde os Teatros da Província serviam para exibição dos espectáculos de Lisboa em tourné nacional e de suporte a grupos e companhias locais. Foi o primeiro edificio a ser contruido para teatro em Portalegre, sendo o sexto teatro mais antigo do País ainda subsistente em Portugal.

Em 1906, assistiu-se à introdução do cinematógtafo neste teatro, com  a organização de 3 sessões. Em 1908, e após diversas beneficiações, este teatro dispunha de um auditório que acomodava o público em 5 frisas, 15 camarotes de 1ª ordem, 15 de 2ª ordem, 45 fauteils, 48 lugares superiores, 84 de geral e 2 galerias. Em 1910, foram feitas beneficiações nas áreas da circulação (vestibulo, portas e escadas da plateia) e de apoio ao publico (bilheteira e restaurante). 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Publico, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Tribuna Alentejo, 2022) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ NIT, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

No final da década de 1920, assiste-se a uma decadência progressiva deste teatro, que ficou à margem da dinamização cultural e recreativa, que se desenvolveu em Portalegre, através e outros espaços e circuitos de produção. É por esta altura que, neste teatro, começa a exibir-se filmes, sem que por isso se dispusessem de equipamentos adequados e concebidos  de acordo com os novos modelos  construtivos e arquitectónicos. É neste contexto que surge a ideia da construção de uma nova sala de espectáculos.

Na década de 1940, é considerado como um espaço incapaz para local de espectáculo pela Inspecção-Geral dos Espectáculos, que autoriza o seu funcionamento condicionado, acentuando a degradação da sua estrutura.

Anúncio de Revista Vaudeville "O Pé Descalço" de 1941 (©️ Museu do Fado) 

Segundo Lauro António, era um teatro antigo (algo arruinado), influenciado pelo estilo italiano, na vertical, composto por plateia, frisas e camarotes. Existiam normalmente 4 sessões semanais (3ª, 5ª feiras, sábado e domingo) e, ocasionalmente, teatro. Por ali passaram companhias de revista e grandes nomes da cena nacional. O próprio Lauro António lembrava o edifício como um teatro “à italiana”, vertical e aristocrático, ainda que já meio arruinado. E há quem nunca esqueça: em 1985, foi aqui que a mítica Amélia Rey Colaço subiu ao palco pela última vez, com El-Rei Sebastião, de José Régio.

Mas nem só de glória viveu este teatro. Na década de 1980, o interior foi transformado em… ringue de patinagem, imagine-se, com camarotes a assistir a piruetas em vez de dramas! Mais tarde, foi sede de clube desportivo e até da IURD. Hoje está classificado como Monumento de Interesse Municipal, mas desde 2013 procura comprador (em 2019, até estava no OLX por 350 mil euros).

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Em 1932, a escritura de compra e venda do Teatro Portalegrense realizada pela sociedade proprietária ao empresário Jorge Frederico Vellez Caroço, estipulava que não poderia ser dado outro uso a este imóvel, sem que previamente se edificasse uma nova casa de espectáculos em Portalegre. Convém salientar que Vellez Caroço (um antigo oficial do Exército, deputado e senador da I República) geria na época todas as casas de espectáculo da cidade, nomeadamente o Cine Parque Caroço, uma estrutura instalada na cerca da antiga "Fábrica Real" (actualmente, Câmara Municipal), junto ao Jardim da Corredoura, inaugurada em Agosto de 1930. 


Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Segundo Lauro António, este cinema era a versão alentejana do “drive-in”, mas sem carros. Nas noites quentes, Portalegre reunia-se numa esplanada ao ar livre para ver filmes sob as estrelas.

O ambiente era irresistível: cadeiras dispostas em classes (de “Reservados” a “Geral”, com preços entre 1$50 e 5$00), refrigerantes no bar para combater o calor, rebuçados e amendoins comprados à entrada… e a possibilidade sempre real de levar com uma chuvada de verão em plena sessãoHavia casa cheia quatros vezes por semana (3ª e 5ª feiras, Sábado e Domingo). Actualmente, o espaço encontra-se ao abandono.

Era a prova de que, no Alentejo profundo, também se podia viver o glamour cinematográfico, ainda que com a meteorologia a desafiar a paciência dos espectadores.

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Segundo Lauro António (2021), o Cine Teatro Crisfal, localizado ao cimo do Jardim da Corredoura, era um edificio típico da década de 1950, inserido na febre dos Cine-teatros existentes no país, em réplicas inspiradas no Cine-teatro Monumental em Lisboa. 

Lauro António, então adolescente, assistiu à sua inaguração a 29 de setembro de 1956, com uma actuação da companhia Amélia Rey Colaço-RoblesMonteiro, que, para assinalar o facto, permaneceu neste espaço durante uma pequena temporada, com duas ou três peças do seu repertório. 

Placa de inauguração de 29-09-1956 (©️ Discoteca Crisfal, 2006)

Este edificio foi obra de iniciativa privada, construído por um conhecido industrial de Santo António das Areias. A designação "Crisfal", advém da obra poética de Cristóvão Falcão, poeta nascido em Portalegre, ao que se supõe, entre 1515 e 1518, no seio de uma família nobre. Foi uma personagem curiosa, aventureira e talentosa, tendo sido educado no Paço, desde novo, onde aprendeu Belas Artes e casou com uma menor sem consentimento dos familiares, o que o levou á prisão durante 5 anos no Castelode São Jorge, em Lisboa. Ao sair, procurou pela amada que se encontrava no Mosteiro do Lorvão e iniciou a sua éscrita da écloga "Crisfal", que retrata a paixão arrebatadora por essa mulher. Em 1542, o Rei D. João III, para evitar escândalos, envia Cristóvão para Roma como seua gente particular. Regressado ao reino, é despachado em 1545 como capitão da fortaleza de Arguim em África. Novamente no continente, volta a ser preso em 1547, por agressão a um fidalgo. Em 1551, é perdoado, casando 2 anos depois com Isabel Caldeira, perdendo-se o seu destino a partir daí, tal como acontece com o herói no final da écloga "Crisfal", cujo nome tudo indica que seja criptónimo de Cristóvão Falcão. Esta obra foi publicada entre 1543 e 1546, numa folha volante e, mais tarde, em volume. 

O Cine-teatro Crisfal, projectado pelo Arqt.º Domingos Alves Dias, em colaboração com o Eng.º Raul Dias Subtilé um edificio de 2 andares, que apresenta uma arquitectura modernista, cultural e recreativa, com linhas rectas, volumes articulados, decoração despojada, com relevo e pinturas monumentais na fachada e paredes. A sua sala de espectáculos é composta por plateia, frisa, 1º e 2º balcões, placo, teia e cávea. A plateia divide-se em pares e ímpares, com 22 filas com 12 lugares cada. Contem frisas ao fundo, quatro de cada lado da entrada. O 1º balcão é suportado por 8 colunas  lisas e estreitas, dividido em pares ímpares, com 10 filas com 12 cadeiras cada. O 2º balcão com cinco filas de cadeiras. O palco contém uma cávea por baixo, boca de cena com moldura azul e dourada, écran de projecção na parede, ao fundo, e teia com varandim, com 3 janelas para o exterior, junto ao tecto.


Plantas do Piso 0 e 1 do Cine-teatro Crisfal (©️ Frederico Corado)














Imagens exteriores e interiores do Cine-Teatro Crisfal (©️ SIPA, 2001)

Mas o Crisfal não era só fachada: ao longo da década de 1980 acolheu o Festival Internacional de Cinema de Portalegre, dirigido por Lauro António. E aqui fica uma nota divertida: o aquecimento central era tão arcaico que, nas sessões de inverno, os portalegrenses levavam cobertores de casa para aguentar o frio, para além das cadeiras pouco confortáveis, em mau estado de conservação.  Verdadeiro cinema “à portuguesa”!

Imagens exteriores e interiores do Cine-teatro Crisfal em 1989 (©️ Frederico Corado)

O "Festival Internacional de Cinema Portalegre" realizou-se por 3 vezes, com ajuda camarária, apesar do acordo que nunca se fez para a compra do imóvel. Para manter a sala aberta e assegurar a continuidade do festival, por mais 2 anos, Lauro António teve de gerir este cine-teatro, com os seus custos associados. Apesar disso, conseguiu aguentar 2 temporadas e 2 festivais, onde perdeu imenso dinheiro, com fins-de-semana de lotação esgotada, mas com perto de 11 empregados de sala que não podiam ser despedidos e filmes a cobrarem mais de metade da receita, para além dos custos astronómicos com lâmpadas que se fundiam rapidamente e artigos de higiéne. Contudo, Lauro António assume que "foi uma experiência curiosa, só possivel pelo cruzar de duas paixões: o cinema e Portalegre" (2021).  



Cartazes do Festival Internacional de Cinema Portalegre (1988-1990 ©️ Frederico Corado)

Programa do 2º Festival Internacional de Cinema Portalegre - 1989 (©️ Frederico Corado)
 



Imagens cedidas por Frederico Corado

Em 2007, quando visitou Portalegre, Lauro António cruzou-se com a filha do tal industrial de Santo António das Areias, proprietário do edificio, que lhe explicou o projecto que tinha em mente para manter o edificio activo, com outras funcionalidades, nomeadamente uma discoteca, bar e estúdio por forma a cativar os jovens da região. Esta nova vida durou somente 5 anos.




Imagens do interior da Discoteca Crisfal (©️ Blogue da Discoteca Crisfal, 2006)

Com a inauguração do Centro de Artes e Espectáculos a 5 de novembro de 2006, e com a exibição de filmes também no Museu das Tapeçarias, este cine-teatro assinou o seu atestado de morte como sala de espectáculos. Em 2017, este edificio encontrava-se à venda no OLX, tendo sido classificado como Monumento de Interesse Municipal, no Aviso n.º 8595/2022, DR, 2.ª série, n.º 81 de 27 abril 2022. Incluído na Área Protegida da Serra de São Mamede.

Lauro António (2021) recorda como era viver a experiência cinematográfica na década de 1950 em Portalegre. Os cinemas publicitavam as suas sessões nos jornais locais, mas sobretudo numas folhas volantes em A4, de fina textura, quase transparentes, que se distribuiam na sessão anterior e depois pelas mesas dos cafés mais frequentados, sendo impressas na Tipografia Casaca.


Fontes:

ANTÓNIO, Lauro. Masterclasse - Os filmes que eu amo: "A Última Sessão". Em Fórum Luisa Todi, 2021. <https://www.forumluisatodi.pt/wp-content/uploads/2021/10/FolaSala-UltimaSessao.pdf>;

ANTÓNIO, Lauro. Tempo de Liceu em Portalegre. Em blogue "Lauro António apresenta...", 2007. <https://lauroantonioapresenta.blogspot.com/2007/06/tempo-de-liceu-em-portalegre.html>;

CÂMARA MUNICIPAL DE PORTALEGRE. Edificios Modernistas. Actual. <https://www.cm-portalegre.pt/visitantes/turismo/patrimonio-cultural/edificios-modernistas/>;

CARDOSO, Berta. Teatro Portalegre, Revista Vaudeville "O Pé Descalço" 1941. Em Museu do Fado <https://www.museudofado.pt/en/collection/poster/teatro-portalegrense-revista-vaudeville-o-pe-descalco-1941-en>;

CRUZ, Duarte Ivo. Os problemas do velho Teatro Portalegrense. Em e-cultura.pt. <https://www.e-cultura.pt/artigo/23941>;

LARGO DOS CORREIOS. Maria Barroso - Sob o signo de Benilde - seis. Em blogue "Largo dos Correios", 2015. <https://largodoscorreios.wordpress.com/2015/08/12/maria-barroso-sob-o-signo-de-benilde-seis/>;

PORTALEGRE ABANDONADA. Cine Parque. <https://www.facebook.com/100063504799127/posts/538626232979691>;

SIPA. Edificio do Cine-teatro Crisfal. 2001. <http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10749>;

SIPA. Teatro Portalegrense. 2005. <http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=21346>;

TRIBUNA ALENTEJO. Teatro Portalegrense continua à venda e ao abandono. 2022. <https://tribunaalentejo.pt/artigos/teatro-portalegrense-continua-a-venda-e-ao-abandono?fbclid=IwAR1GN-sjkTaan02FIKq5R_zlJ_Vh583inmV-yYWFljCN0OJ5CWnB8bqcGbA_aem_AZu05CqEGF7tg_9CgjaK2RR5uasH3hMnl8B9tB83TQnBoggX7yR4-CH-ahUJ-dDHpacuy5gckl7s3CHorRJUrRRI>;

UMBELINO, Lina. Desculpe, sabe onde fica o centro? Lisboa: Primeiro Capitulo, 2023. <https://books.google.pt/books?id=i_jpEAAAQBAJ&pg=PT35&lpg=PT35&dq=cine+parque+caro%C3%A7o+portalegre&source=bl&ots=ytPIKX_smY&sig=ACfU3U2sQ_0KJbPgXrZaPSQwEd40A0PGzQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwj14bvJgbuFAxUo_AIHHfGzDPs4ChDoAXoECAQQAw#v=onepage&q=cine%20parque%20caro%C3%A7o%20portalegre&f=false>;