7.6.13

Cinemas do Paraíso: Setúbal

Hoje vou debruçar a minha atenção sobre a distinta cidade de Setúbal que sendo rica em história, também descobri que é rica em história cinematográfica.
 
Setúbal possuiu diversos espaços dedicados ao cinema e quase todos eles já encerraram...alguns até já desapareceram sem deixar qualquer marca da sua existência, a não ser nas memórias dos setubalenses.

A minha visita começa no inicio do séc. XX, com um edificio representativo da arquitectura eclética portuguesa. Estou a falar do Grande Salão de Recreio do Povo, ou "O Salão", como era mais conhecido, localizado na Avenida Luísa Todi, n.º 203 a 2017.

Este edificio foi inaugurado em Julho de 1907, por José Andrade Piteira, e era vocacionado para actividades cinematográficas, geralmente muito concorridas, bem como para o teatro e dança.

De acordo com o SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico), este imóvel possuía características decorativas classicizantes, com elementos neo-barrocos e neo-império, a par de friso em azulejo com características Arte Nova.

Em 1916, sofreu uma restauração, sendo então considerado como a sala mais chique de Setúbal.O seu interior foi adornado com trabalhos do pintor-decorador setubalense José Maria Pereira Junior (conhecido por Pereira Cão), num conjunto genericamente denominado "Um Sonho Verde".


A sua designação inspirou-se no salão recreativo que esteve instalado no local da Feira de Sant'lago, em 1903, então referenciado como animatógrafo.

A sua sala de cinema era constituída por camarotes laterais, plateia, balcão e geral.

No final da década de 1970, e devido à grande recessão nos espectáculos, este imóvel foi adquirido pelo Banco Pinto & Sotto Mayor, que se comprometeu a preservar toda a estrutura e forma arquitetural exterior.



Em 1908, decorreu a inauguração do Casino Setubalense. No inicio abria portas para a Rua dos Marmelinhos (actual Rua António Maria Eusébio), mas depois a entrada passou a realizar-se através da Avenida Luísa Todi. Em Maio do mesmo ano foram concluídas as pinturas, realizadas modificações na plateia e colocada uma máquina cinematográfica.

Este espaço era vasto, com a sua capacidade a oscilar entre os 700 e os 800 lugares e em Julho de 1908 já era a casa mais frequentada da cidade.


Fonte: Facebook "Coisas de Setúbal" - https://www.facebook.com/?locale=pt_PT

A quantidade e diversidade da programação marcava esta sala, por onde passaram orquestras, artistas circenses, concursos de luta greco-romana, espectáculos de hipnotismo e ilusionismo e claro o cinema. Primeiramente foram exibidos filmes mudos, tendo mais tarde sido exibidos os filmes sonoros.

A sua existência foi marcada pelos diversos arrendatários que teve e pelas modificações que sofreu, tornando este espaço mais confortável e moderno. Em 1910 fechou para pequenas remodelações, tendo sido executadas obras no bufete e sala de fumo, repinturas e abertura de três grandes portas para a Rua dos Marmelinhos.

Com o passar do tempo, este espaço foi decaindo e acabou por fechar na década de 1920, tendo reabrindo em 1933 por iniciativa do União Futebol Comércio e Indústria, que fomentou a realização de bailes muito concorridos com 1500 a 2000 pessoas por noite. Com o proprietário José Manuel Barafusa retoma a sua actividade cinematográfica alguns meses mais tarde.


Três anos depois volta a fechar para alguns melhoramentos, mas nunca foi feita uma remodelação profunda, o que contribuiu para a sua decadência progressiva.
Na década de 1970, este espaço exibia sobretudo filmes do Trinitá, artes marciais e pornográficos, tendo fechado em definitivo as portas na década seguinte.

O seu edifício permanece actualmente erguido, com a fachada pintada de branco e emparedada (para quem passeia a Av.ª Luísa Todi). Nas traseiras (viradas para a Rua António Maria Eusébio) encontra-se a Danceteria Casino Setubalense, um espaço de convívio,  dança e cinema.


Continuando a passear na emblemática e enorme Avenida Luísa Todi, encontro  provavelmente um dos maiores marcos da arquitectura setubalense: o Fórum Luisa Todi.

Este espaço já se dedicou exclusivamente ao teatro como também ao cinema, sendo actualmente um espaço cultural direccionado para diversas artes como o teatro, a dança, música e outros eventos.



A história deste emblemático edifício inicia-se com a sua construção em 1894, através da empresa de Recreio Setubalense, sob a direcção do arquitecto italiano Nicola Bagaglia. Contudo, a sua inauguração só iria ocorrer em 1897 com a denominação de Teatro Rainha D. Amélia, e logo com um vasto programa: a cançoneta Ventura, o Bom Velhote e as encenações O Livro de Mesmer e A Barcarola, esta última da autoria do setubalense Arronches Junqueiro


O espaço era bem iluminado e a gás, constituído por 222 lugares na plateia, oito frisas, 17 camarotes de primeira ordem, dez de segunda ordem, dois balcões e galeria de fundo. Os cenários eram da autoria dos artistas Eduardo Machado, João Vaz, Francisco Augusto Flamengo e Augusto Pina. Também chamavam a atenção os elementos decorativos como os ornamentos e o pano de boca, concebido pelo pintor setubalense João Vaz e que actualmente integra o acervo do Museu de Setúbal/Convento de Jesus.


Em 1908 foi considerado "talvez a mais bonita e elegante casa de espectáculo de Portugal" por Sousa Basto no Dicionário do Teatro Português, rivalizando assim na época com o espaço homónimo que existia em Lisboa (actual Teatro São Luiz).

Com a implantação da República, este espaço perdeu o nome régio e em 1911 passou a designar-se de Teatro Avenida, concluída a instalação do Centro Republicano.
Com o tempo as instalações foram se degradando, mas em 1915 este edifício recebeu a Academia Sinfónica de Setúbal, que rebaptizou-o de Luisa Todi.

Depois do encerramento para obras de remodelação, este teatro reabriu ao público em 1918, com mais modernidade e no formato de cineteatro, resultante da instalação da rede eléctrica no edifício.

Contudo, o espaço acabou por entrar em decadência, chegando mesmo a ser alvo de vandalismos, tendo sido adquirido à posteriori por Raul Perfeito dos Santos, que reparou, remodelou e entregou o edifício à Empresa Rosa Albino. Depois da morte do empresário Rosa Albino, o teatro deixou de ter actividades artísticas e começou a mostrar sinais de ruína, tendo nessa altura servido de sede para a Sociedade Musical e Recreativa União Setubalense.



Entretanto, a Companhia União Fabril adquiriu o teatro que acabou por ser demolido para, no seu lugar, ser construído o actual edifício que também seria um cineteatro. O novo espaço seria completamente diferente do anterior (com inspiração italiana) devido à sua traça modernista, desenhada pelo Arquitecto Fernando Silva. 


A sua construção iniciou-se em 1958 e foi inaugurado como Cineteatro Luísa Todi em 1960 pelo Presidente da República Américo Tomás. Neste ano comemorava-se o primeiro centenário da elevação de Setúbal a cidade. O primeiro filme a ser exibido nesta nova sala foi Os Dez Mandamentos de Cecil B. de Mille.



Em 1990 este edifício passou a ser propriedade da Câmara Municipal, tendo beneficiado de vários investimentos de modo a que o espaço fosse modernizado, como também houvesse uma melhoria da qualidade do serviço cultural prestado.

Em 2009 foi iniciado um projecto de remodelação, concebido por Paulo Ramos e Cidália Worm do Gabinete ETU - Espaço, Tempo e Utopia, a partir de um plano desenvolvido pelo arquitecto municipal Sérgio Dias. 

Este espaço voltou a abrir portas em 2012 completamente modernizado e dotado de uma panóplia de valências necessárias para acolher diversos eventos e diferentes estilos artísticos, como também congressos e seminários. A distinta traça arquitectónica de 1960 manteve-se, sendo considerada uma das imagens de marca da cidade.

Neste actual edifício existe: um foyer com espaços de exposição, área de venda de merchandising e bengaleiro, que dá acesso à bilheteira e ao elevador que serve o balcão; um playground para crianças que serve para entreter as crianças durante os espectáculos; uma cafetaria localizada na entrada para a sala principal; uma escultura evocativa de Luísa Todi, composta por dois elementos localizado no exterior e interior do edifício  da autoria de Sérgio Vicente.





Possui uma sala principal capaz de acolher grandes espectáculos, como também congressos, seminários, colóquios, etc., forrada a madeira para proporcionar as melhores condições de acústica. Esta sala tem uma lotação de 634 lugares, sendo 398 lugares na plateia (inclinada e adaptada para pessoas com mobilidade reduzida) e 236 lugares no balcão; 





Uma sala multiusos que serve para acolher espectáculos mais intimistas e que se localiza no topo do edifício, tendo como pano de fundo vistas panorâmicas sobre a cidade e o rio. Quando não serve para espectáculos, funciona como café/casa de chá com lotação para 132 lugares na plateia e 60 para o café-concerto.





Deixando a avenida principal da cidade, chega-se à Rua António Manuel Gamito e encontra-se o Cinema Charlot, uma pequena sala de cinema que foi adquirida pela Autarquia em 1998, reabrindo em 2000 após obras de remodelação. Desde aí tem se registado uma boa afluência a este espaço, estimando-se o número de 226 mil espectadores em sessões regulares de cinema.

Em 2011 este espaço sofreu importantes obras de requalificação, visando a resolução de problemas no domínio da drenagem de águas, como também a implementação de climatização na sala, segurança contra incêndios, instalações sanitárias para deficientes motores, equipamento de projecção video, pisos e revestimentos e uma nova decoração.

Esta sala integra a Europa Cinemas (rede europeia de salas de cinema) e a CICAE - Confederação Internacional dos Cinemas de Arte e Ensaio. A programação cinematográfica é assegurada no âmbito de um protocolo entre o Municipio de Setúbal e a Associação Cultural Festroia.  Aliás, este espaço acolhe anualmente o Festroia - Festival Internacional de Cinema de Setúbal. Também serve a realização de encontros, seminários, congressos e outras actividades e tem a lotação de 239 lugares.






O Cinema Jupiter, inaugurado em 1978, localizava-se na Rua 22 de Dezembro. O filme inaugural foi "A Guerra das Estrelas". O cinema encerrou em 1992, debaixo de uma enorme polémica, visto que os seus defensores achavam que a C.M. Setúbal deveria ter ficado com o imóvel. No entanto, a Autarquia optou por ficar com o Cine Charlot, actualmente transformado em Auditório Municipal. Este edificio pertenceu à IURD, mas actualmente encontra-se devoluto e para venda.

Antigo Cinema Júpiter (2020)

O Cinema Bocage (que também fechou nos anos 90), foi inaugurado no dia 07 de março de 1980 e localizava-se na Avenida República Guiné Bissau, no Centro Comercial do Bonfim. Distinguia-se pelos seus cinco painéis de azulejos, que retratavam actividades económicas, a cidade de Setubal, personalidades e património edificado relacionados com a região de Setubal e Azeitão, da autoria de Louro de Almeida e Rogério Chora, em 1979.

Este cinema nasceu da iniciativa do Centro Comercial do Bonfim e dos irmãos Castello Lopes e albergava 339 pessoas. Foi projetado pelo Arqtº Pedro Emauz.

De acordo com o programa inaugural deste cinema (cortesia de Mário Barata, ex-funcionário deste antigo cinema), para além das condições de conforto, por parte das cadeiras "Gallay" e do nível técnico da projecção de filmes, assegurada pela mais moderna aparelhagem de projecção de filme e som "Tokiwa", este espaço pretendia seguir uma programação de grande qualidade, selccionando nos diferentes dominios da arte e do espectáculo, as obras mais significativas dos grandes realizadores mundiais. Conforme falado pelos irmãos Casteelo Lopes, pretendia-se que este cinema fosse o irmão gémeo do cinema Londres, em Lisboa.

O filme inaugural foi "Norma Rae" de 1979, realizado por Martin Ritt e protagonizado por Sally Field, vencedora do Óscar e do Prémio de Cannes deste ano. Contudo, estavam prevista a exibição de outros grandes filmes, como "Sonata de Outono", "Alien, o 8º Passageiro", "A Rosa", "O Casamento de Maria Braun", "A Síndrome da China", "Kramer Contra Kramer", entre outros.

Esta sala iria ter três sessões diárias em dias úteis, e ao fim-de-semana estavam previstas quatro sessões. Ao Domingo de manhã, estava prevista uma matiné infantil. Também estavam previstas duas sessões da meia-noite (à 6ª feira com um filme clássico, e ao Sábado com um filme de aventura).

 Cinema Bocage, na edição de 07.03.1980 do jornal "Nova Vida" (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)



Notícia sobre o Cinema Bocage, na edição de 07.03.1980 do jornal "Nova Vida" (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)



Anúncio sobre o Cinema Bocage, na edição de 07.03.1980 do jornal "Nova Vida" (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)


Programa do Cinema Bocage (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)


Programa do Cinema Bocage (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)


Programa do Cinema Bocage (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)


Programa do Cinema Bocage (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)




Programa do Cinema Bocage (cortesia de Mário Barata no Grupo do Facebook "Cinemas do Paraíso)














Nota: Um agradecimento especial ao Sr. Mário Barata, antigo projecionista do Cinema Bocage, que cedeu gentilmente este espólio fotográfico, datado de 1980, ano de inauguração deste cinema.









Esta cidade também teve uma célebre esplanada de cinema ao ar livre, explorada pelas empresas de cinema que geriam o Grande Salão de Recreio do Povo e o Casino Setubalense e inaugurada em 1950. Designava-se Cine-Esplanada Variedades, e localizava-se na Rua Manuel Livério, no local onde, actualmente, existe um tribunal.




Fontes:

https://www.mun-setubal.pt/grande-salao-recreio-povo/
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=4086
http://setubalcidadedorioazul.blogspot.com/2011/11/grande-salao-recreio-do-povo-1953.html
https://viajaredescobrir.blogspot.com/2017/05/portugal-setubal_65.html
https://www.facebook.com/groups/coisasdesetubal
https://www.facebook.com/groups/sala9?locale=pt_PT
http://setubalcidadedorioazul.blogspot.com/2011/11/esplanada-cine-variedades-1953.html
https://osetubalense.com/opiniao/2022/11/03/comercio-tradicional-do-antigamente-em-setubal/
http://www.mun-setubal.pt/pt/pagina/cinema-charlot--auditorio-municipal/265
https://setubalmais.pt/antigo-cinema-jupiter-setubal-venda/
https://kantophotomatico.blogspot.com/2017/08/azulejaria-civil-em-setubal-08-o-antigo.html















2 comments:

Falta falar do antigo cinema Salão, na Avenida Luisa Todi.

É o primeiro a ser falado logo no início do post:Grande Salão Recreio do Povo