8.1.10

Nimas: Mais um triste fado...ou não?




Este tópico é dedicado uma pequena sala de cinema, que conseguiu manter-se activa ao longo de quase 50 anos. 

Falo-vos do Cinema Nimas, situado na Av.ª 5 de Outubro em Lisboa. Agora já não se apelida de Cinema Nimas, mas sim Cinema Medeia Nimas

Na década de 1960 surgiram em Lisboa diversos cinemas inseridos em edifícios de habitação, como o Estúdio 444, Cinema Mundial, Cinema Vox, entre outros.

O Cinema Nimas foi à boleia desses espaços, tendo sido inaugurado a 10 de Outubro de 1975 com o filme "Que Viva a Revolução", realizado pelos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, e interpretado por Marcello Mastroianni. 



Anúncio do Diário de Lisboa - 08.10.1975





Na época, era propriedade do Cine-Rádio Estúdio GL, Lda., sociedade de que é sócio maioritário o R.C.P.

Sempre foi considerada uma sala pequena (200 lugares), simpática, bem situada, com uma boa programação. Neste mesmo ano, Lauro António lançou a sua primeira curta-metragem "Vamos ao Nimas", já nessa época um testemunho do desaparecimento dos cinemas de bairro ou de reprise.

Segundo Lauro António, "nimas" era a designação popular para se referir ao cinema, enquanto sala. As salas maiores como o Monumental ou Tivoli não tinham esta designação, porque eram salas de gabarito. Já outras salas como o Olympia e Salão Lisboa, mais direccionadas para o povo, tinham esta designação. O "nimas" era o piolho, que exibia filmes de cowboys, acção, policiais, melodramas e comédias descabeladas antes de 25 de Abril de 1974. A partir daí, começou a exibir filmes pornográficos.

Fotografia de Fernando Gonçalves - Facebook "Regresso ao Passado"





O Cinema Nimas começou a sua existência com a exibição de filmes de autor, provenientes dos EUA, Itália, França, Alemanha, entre outros. Um dos casos mais emblemáticos foi a exibição, durante 8 meses, do filme "Chove em Santiago" de Hélvio Soto, estreado a 29 de junho de 1976, uma co-produção franco-búlgara sobre o golpe militar que derrubou o presidente chileno, Salvador Allende, em 1973. Apesar das críticas arrasadoras, o filme encantou muitos lisboetas, que faziam filas à porta do Nimas.



Foi neste cinema que, na estreia do filme "As Horas de Maria" de António Macedo em 4 de Abril de 1979, que ocorreu um grave incidente provocado por católicos conservadores, que tentaram impedir a projecção do filme. A estreia teve uma forte protecção policial, visto que houve ameaças anónimas que prometiam incendiar o cinema. Contudo, vários espectadores, bem como o crítico Tito Lívio e Eugénia Bettencourt, a intérprete do filme, foram violentamente agredidos à saída do cinema.


Um dos sócios deste cinema foi o Capitão Baptista Rosa, conhecido jornalista, realizador e produtor ligado, durante anos, aos Serviços Cartográficos do Exército e à RTP. Com a sua morte em 1982, a sua viúva, Laura Baptista Rosa, assume a exploração do cinema, tornando-se na primeira mulher a desempenhar essa função em Portugal. Conseguiu a façanha de manter este cinema à tona durante o resto da década de 1980, perante o aparecimento dos multiplexes e a desertificação da cidade, complementando a exibição de filmes, com outras formas de ocupação da sala. 
Assim, em 1983, o Cinema Nimas abriu as suas portas ao programa de rádio “A Febre de Sábado de manhã” de Júlio Isidro, que marcou uma época e foi responsável por trazer ao nosso país pela primeira vez inúmeras bandas de renome internacional.

Em 1993, este cinema começou a ser explorado pela "Medeia Filmes", empresa de Paulo Branco, apostando no cinema europeu (2000), principalmente os filmes franceses, filmes clássicos (2005) e cinema de animação 3D (2008 e 2009). O sucesso da única sala do Nimas veio contrariar a ideia de que uma programação exigente e de qualidade não teria espectadores ou estaria condenada ao desaparecimento. 

Em 2009, aproveitando que a sala de cinema já se encontrava moribunda e quase encerrada, José Maria Branco (filho de Paulo Branco) resolveu fazer do antigo cinema uma nova sala de espectáculos, de modo a reutilizar a sala que serviu para encantar telespectadores de outrora. Este espaço continuou a ser gerido pela "Medeia Fillmes", passando a ser o Espaço Nimas. Contudo, Paulo Branco voltaria a gerir este cinema, com a saída do filho para Londres, voltando assim à sua designação original: "Cinema Nimas".

O Nimas manteve-se de portas abertas durante muito tempo com um público fiel sem partilhar o universo dos multiplex. Não vendia pipocas porque era praticamente a única sala que não estava agregada a qualquer centro comercial nos últimos anos. O seu maior defeito era possuir um ecrã demasiado grande para a dimensão da sala. 

Este espaço tem estreado filmes aclamados internacionalmente como Fausto de Aleksandr Sokurov e Noutro País, de Hong Sang Soo. Contudo, também acolhe espectáculos inter/multidisciplinares que passam pelo Teatro, Música, Live Act, Dança Contemporânea, Performance, Video, Instalação Artística, Fotografia, etc.










Actualmente, o Cinema Medeia Nimas consegue albergar 240 espectadores e possui uma projecção de alta qualidade 4K, com som 7.1.



Fontes: 
ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012
https://restosdecoleccao.blogspot.com/2021/07/cinema-nimas.html
http://diasquevoam.blogspot.com/2010/01/os-cinemas-tambem-se-abatem.html

1 comments:

Se quiser mais um exemplo de cinemas outrora importantes para a região e agora completamente abandonados, têm um Ermesinde, no Grande Porto.

Cá vai link para a foto: http://4.bp.blogspot.com/_xGVE8uV2m_U/SWN9a6mv5MI/AAAAAAAACO8/mngnzmhIIp0/s1600-h/DSC02898.JPG

E créditos para quem a tinha: http://postaisdeermesinde.blogspot.com/



http://cameloleaoecrianca.blogspot.com/