13.3.12

Central: quando o cinema reincarna...


Raul Lopes Freire (homem de negócios apaixonado pelo cinema e dono do Salão Chiado) inaugurou um novo espaço localizado no Palácio Foz. Salão Central era o seu nome e apareceu graças ao sucesso das exibições cinematográficas que se expandiam pela cidade lisboeta, como também à perseverança do seu dono. No início de 1908 foi constituída a “Sociedade Animatográfica, Lda.”, composta pelos associados Carlos Gotschalk, Raul Lopes Freire e seu irmão Augusto Freire, Carlos Ribeiro Nogueira Ferrão, Alberto Coutinho Freire e Jaime Guerra da Veiga Pinto, do qual Raul Lopes Freire seria gerente. O local escolhido era ocupado anteriormente pelo estabelecimento de Gotschalk dedicado a maquinismos e utensílios eléctricos e situava-se no extremo norte do Palácio Foz que, anteriormente, fora a capela privativa do palácio. Foram feitas obras em tempo recorde para que o salão fosse inaugurado em 1908.




A par do Chiado Terrasse e do Salão Trindade, esta sala era uma das mais prestigiadas, luxuosas e cómodas de Lisboa, tendo sido construída na capela privativa do palácio. A sua decoração era original, criando um ambiente de fundo do mar no sentido de conferir um certo ar de frescura, efeito esse obtido através da utilização de cartão-pasta modelado. A disposição do ecrã também era outra novidade, porque se situava do lado oposto onde se encontra actualmente e se manteria assim até à grande transformação da sala em 1919. Poderia acomodar 425 espectadores.
Em pouco tempo, Raul Lopes Freire consegue obter as partes dos outros sócios, passando a ser ele (juntamente com a sua mãe e irmãos) os únicos donos deste salão. E sob a gerência eficaz de Freire, a exploração do mesmo revela-se um sucesso.




Querendo melhorar e acreditar mais a sua sala no sentido de obter uma programação segura e variada, Freire conseguiu em 1917 a representação exclusiva para Portugal de uma das mais acreditadas firmas importadoras e distribuidoras espanholas, a “Agência General Cinematográfica” de Barcelona. Essa cartada importante fez com que a exploração deste salão se tornasse mais rentável. No mesmo ano, esta sala passou a ter um sexteto dirigido por Carlos Teixeira que acompanhava musicalmente todos os filmes exibidos.


Raul Lopes Freire era um homem de negócios, extremamente dedicado à exploração cinematográfica. Em 1919, encerrou este espaço para obras. Sob a sua concepção técnica e sob projecto do Arqt.º João Baptista Mendes, a reconstrução deste salão foi profunda e ficou a cargo do construtor Manuel Eanes Trigo.
A sala era constituída por uma ampla plateia (por aquilo que normalmente se tem chamado de balcão de 1ª ordem) ao qual foi dada o nome de tribuna, que dava lugar a cinco camarotes e, num nível superior, ao balcão de 2ª ordem. A sua inauguração também no mesmo ano foi um verdadeiro acontecimento no meio cinematográfico lisboeta. Foram saudados a largura do espaço o que permitia ventilação; a abertura de novas portas de saída; o desaparecimento das incómodas colunas que estorvavam e claro, os pormenores luxuosos evidentes no rico pano de veludo que encortinava o ecrã; no mobiliário ostentoso; nas esculturas ornamentais, na decoração em branco e oiro. Também é de salientar a existência de um novo sexteto musical dirigido por Luís Barbosa, uma importante figura do panorama musical português da época.




Raul Lopes Freire no intuito de melhorar, modernizar e tornar mais atraente o seu salão ao público, resolveu transformá-lo mais uma vez em 1929. O aspecto que mais se evidenciou desta vez foi a utilização de madeira cara, que contribuiu para modificar completamente o interior do salão, com a oferta de novas poltronas na plateia como também na antiga tribuna, cujas primeiras filas desapareceram para dar lugar a uma ordem de camarotes. Por outro lado, o antigo 2º balcão foi substituído por camarotes. Contudo, todas estas transformações atrás referidas não impediram que o público começasse a afastar-se devido à abertura de novas salas em diferentes zonas da cidade, acabando por forçar o seu encerramento.




Em 1958 foi recuperado e serviu de instalação para a Cinemateca Portuguesa até 1980, quando a mesma se mudou para as instalações da Rua Barata Salgueiro. A partir daí neste espaço passou a funcionar a Cinemateca Júnior, mantendo esta função actualmente. Já não tem a famosa orquestra, mas possui um piano que serve de acompanhamento na exibição dos filmes mudos, como também acontece noutras salas da Cinemateca. O espaço do actual Salão Foz possui uma exposição interactiva de pré-cinema chamada Das Lanternas Mágicas ao Cinematógrafo dos Lumiére, uma viagem pelos primórdios do cinema desde as sombras de luz até aos cinematógrafos. Todos os sábados existem sessões de cinema.


É também importante evocar uma história curiosa…depois do 25 de Abril de 1974, esta sala começou a exibir filmes do cinema de Leste proibidos pela ditadura, graças a Vasco Granja (o mesmo senhor que marcou o panorama televisivo português com os seus programas de animação, também do Leste, que eram transmitidos na RTP2 há muitos anos atrás). Em suma, este cinema ganhou vida através de uma outra reencarnação  mas sem nunca deixar de ser o que é...um espaço dedicado à 7ª arte, à magia do cinema.
 
 
 


Fonte:
ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012
RIBEIRO, M. Félix, Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939, Lisboa, Instituto Português de Cinema/Cinemateca Nacional, 1978
http://restosdecoleccao.blogspot.com/2010/11/antigos-cinemas-de-lisboa-4.html
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2013/01/central-cinema.html
http://cinemaaoscopos.blogspot.com/2010/02/central-1908-actualidade.html

2 comments:

Frequeentei esta sala depois do 25 de abril em sessões de cinema organizadas pelo Vasco Granja com cinema de Leste que tinha sido proibido durante a ditadura. A bilheteira era na janela da Calçada da Glória e o bilhete era 5 escudos se não estou enganado. Depois foi gerida pela cinemateca durante uns anos, antes de ter sido recuperado o edifício da Barata Salgueiro. Bom cinema a baixo preço. Nos Restauradores existiam 4 salas: Salão Foz, Eden, Condes e outro no centro comercial Xenon)!!! mais o Odeon e o Olympia na Rua dos Condes e o Politeama nas Portas de Sto Antão e o Animatógrafo no Rossio. Até o Coliseu chegou a passar cinema (tinha um ecran gigantesco) Hoje está tudo fechado ou mudado.

Obrigada Elfaria pelo teu comentário.
De facto, todas as salas na zona dos Restauradores já praticamente desapareceram ou então reincarnaram noutras funções. É pena que uma zona tão bonita de Lisboa esteja tão despovoada de cinemas, quando antes era considerada uma zona nobre para se ver filmes e teatros.