23.6.07

Cinema dos Primórdios - O Olympia do Porto

De Lisboa seguimos viagem para o Porto, onde a história do cinema também deixou marcas indeléveis. A poucos passos do imponente Coliseu do Porto, ergue-se ainda a fachada de um espaço que outrora foi sinónimo de modernidade e espetáculo: o Cinema Olympia.

As suas portas abriram-se a 18 de maio de 1912, sob o nome de Olympia Kinema Teatro. O projeto nasceu pelas mãos de Henrique Alegria, que não só idealizou a sala como assumiu a sua construção. Já a assinatura arquitectónica ficou a cargo de João Queiróz, cuja visão trouxe ao edifício uma identidade própria, marcando-o na paisagem urbana portuense.


A história deste cinema não pode ser contada sem mencionar o seu mentor, Henrique Ferreira Alegria. Regressado do Rio de Janeiro, onde fizera fortuna, ele era proprietário da empresa Fundição Alegria & Cª. Mas a sua visão ia muito além da indústria metalúrgica: o fascínio pelo novo mundo das imagens em movimento levou-o a aventurar-se na exibição cinematográfica. O Olympia foi a sua primeira grande aposta nesse universo.

O entusiasmo de Alegria rapidamente o aproximou de nomes que marcariam a história do cinema português. Foi assim que se integrou na empresa Nunes de Matos & Cª – Invicta Films, fundada em 1910 por Alfredo Nunes de Mattos, onde assumiu o cargo de director de produção. A colaboração entre os dois foi tão frutífera que, em 1917, se tornaram sócios na nova firma Invicta-Film, Lda, oficialmente criada a 22 de novembro desse ano. A sua ambição, no entanto, não ficou pelo Porto. Em 1923, já em Lisboa, lançou-se num novo desafio: a fundação da Pátria Film, em parceria com Raul Lopes Freire. Uma empresa que pretendia consolidar a produção cinematográfica nacional e dar ao cinema português uma identidade própria.


Henrique Alegria

Produtora cinematográfica portuense "Invicta-Films, Lda.", 1910

A inauguração deste cinema, em 1912, não passou despercebida na cidade do Porto. Pelo contrário, foi um acontecimento que gerou verdadeiro alvoroço entre a população, ansiosa por conhecer a nova sala de espectáculos que prometia modernidade e sofisticação. O público ficou fascinado com os jogos de água luminosos, um efeito cenográfico inovador para a época, e não menos impressionado com o luxo dos acabamentos e a imponência da sua fachada.

A imprensa não tardou em elogiar o espaço. Os jornais descreviam-no como modelar, elegante e luxuoso, destacando a qualidade excecional da projecção — “magnífica”, diziam — graças a uma nitidez e fixação da imagem que deixavam o público maravilhado.

Outro detalhe que chamava a atenção era a própria arquitectura: a fachada era composta por um imenso envidraçado de ferro e vidro polícromo, que conferia ao edifício uma aparência quase mágica, sobretudo quando iluminado. Um postal vivo do Porto de início do século XX, onde o cinema se afirmava não apenas como arte, mas também como espectáculo para os olhos, dentro e fora da sala.





Com capacidade para 600 lugares, posicionava-se como um dos grandes espaços de espectáculo do Porto. Localizava-se a escassos metros do Salão Jardim Passos Manuel, inaugurado em 1908 e considerado o antecessor do actual Coliseu do Porto, reforçando a vocação desta rua como epicentro da vida cultural portuense.

No início do século XX, a Rua Passos Manuel fervilhava de movimento. Era ponto de encontro para quem procurava convivência social, com cafés, botequins e várias salas dedicadas ao entretenimento. Um verdadeiro boulevard portuense, onde o lazer se cruzava com a modernidade.

Entre os muitos momentos que marcaram a história do Olympia, destaca-se a estreia de “Amor de Perdição”, realizada por Georges Pallu e inspirada no romance de Camilo Castelo Branco. O filme subiu ao ecrã no dia 9 de novembro de 1921, dando nova vida cinematográfica à obra literária que atravessara gerações.

Salão Jardim Passos Manuel

Cartaz do filme mudo "Amor de Perdição"

Realizador Georges Pallu

Planta







Tal como aconteceu com o Cinema Batalha, este cinema não se limitou à sétima arte. Ao longo dos anos, a sala abriu espaço para eventos musicais, tornando-se palco de diferentes formas de entretenimento que animavam a vida cultural do Porto.

Contudo, a sua identidade acabou por seguir um caminho distinto da dos vizinhos Trindade e Batalha. Enquanto estes últimos se especializavam em cinema de autor, conquistando públicos mais exigentes e cinéfilos, o Olympia encerrou os seus dias com uma programação mais popular, marcada sobretudo pelos célebres “filmes de cowboys”.



Programa do Cinema Olympia de 1932

Nas décadas de 1960 e 1970, este cinema já não tinha o brilho de outrora. A sala, antes luxuosa e moderna, mergulhava numa fase de decadência, reduzida a uma programação secundária que procurava acompanhar as modas do momento.

Houve uma época em que o cartaz se enchia de filmes de karaté, que arrastavam multidões fascinadas pelas artes marciais no auge da sua popularidade. Mais tarde, porém, o espaço cedeu lugar a um rumo mais controverso, projectando cinema pornográfico hardcore, a par do que acontecia no vizinho Teatro Sá da Bandeira.








Na década de 1980, e devido à pouca afluência, acabou por ser vendido, transformando-se em bingo. Contudo, devido aos problemas dos bingos portuenses nos últimos anos, esta sala acabou por fechar.

 


Tal como aconteceu com os cinemas Trindade e Batalha, também a reabilitação do Olympia se revelou um processo longo e desafiante. Depois de anos ao abandono e memórias de decadência, foi apenas em 2013 que três sócios anónimos decidiram devolver-lhe vida, apostando na recuperação do espaço.


O resultado surgiu em 2014, com a abertura do Olympia Club — um conceito premium que transformou o antigo cinema num local exclusivo, pensado para um público exigente. O clube oferecia estacionamento privativo, uma porta de acesso exclusiva e até camarotes individuais para clientes VIP, numa clara aposta na fidelização e na experiência personalizada.

Apesar da mudança de vocação, uma decisão marcou a diferença: a manutenção da fachada original. Essa escolha não só preservou a memória arquitetónica do edifício, como fez do passado a sua imagem de marca, lembrando a cada visitante que ali já se escreveram páginas importantes da história cultural do Porto.







Fontes: 
Fernandes, José Manuel (1995) Cinemas de Portugal. Edições Inapa.
https://restosdecoleccao.blogspot.com/2015/07/cinema-olympia-no-porto.html

6 comments:

O Olympia de baixo é na Rua Passos Manuel, que tem uma inclinação descendente da direita para a esquerda ao contrário da foto de cima.

Aliás pela altura da foto, mais parece o defunto Águia D' Ouro.

Boa sorte para a vossa iniciativa.

Olá, Insano.

Obrigada pelo teu comentário. A primeira imagem do Olympia é do livro de José Manuel Fernandes, já falado no fórum, chamado Cinemas de Portugal. Agora, muito sinceramente, não parece igual à segunda imagem, mais recente, tirada ao Cinema Olympia.
A minha dúvida persiste, mas o teu comentário já serviu para elucidar um pouco sobre este assunto.

A primeira foto é, quase de certeza, do Cinema Trindade que, ironicamente e tal como o Olympia (da 2ª foto), foi transformado num bingo.. Ambos estão ainda de pé e mantêm no geral o traço original. Pena é que já nenhum sirva para aquilo que foi feito.

O blog esta excelente. Aqui no Porto também temos cinemas lindíssimos e historicamente muito interessantes para explorarem. (Sugestão: Águia D'Ouro, actualmente em ruínas.)

Leitao
www.cinehighlife.blogspot.com

Olá Leitão!!!

O Águia d' Ouro teve direito a um post aqui neste blog. É só procurares que o encontrarás. Vou tentar dar ênfase às antigas salas de cinema do Porto e do restante país, porque de certeza que temos autênticas pérolas da arquitectura por descobrir ou relembrar.

Agradeço o cumprimento e sempre que puderes, visita este blog e se puderes indicar sites e livros sobre este assunto, é sempre bem vindo.

O Olympia de baixo é na Rua Passos Manuel, que tem uma inclinação descendente da direita para a esquerda ao contrário da foto de cima.muito interesante

Olá viva,
a primeira foto é do Cinema Trindade, existe um erro de identificação no livro de José Manuel Fernandes "Cinemas de Portugal", um erro grave pois apesar de pertencerem à mesma empresa, Neves & Pascaud, nada tinham a haver. Na imagem é a fachada do Trindade onde se seguia uma escadaria enorme e onde se podia deslumbrar as excelentes pinturas dos cartazes de filmes feitas à mão, vejam aqui:
http://www.cinemasdoporto.com/registos_cartazes.htm.
Seria importante trocar a foto, caso queira posso fornecer uma.
Obrigado
Paulo ferreira
cinemasdoporto.com