14.4.24

Cinemas do Paraiso: Portalegre

No seguimento do desafio lançado por Frederico Corado (filho do lendário realizador, crítico e amante de cinema, Lauro António), membro do grupo de Facebook "Cinemas do Paraíso", irei viajar nas memórias de alguns espaços míticos na cidade de Portalegre (localidade onde Lauro António estudou, de 1951 a 1958), dedicados ao teatro e cinema.

Inicio com o Teatro Portalegrense, que se situa no Largo Visconde de Cidrais, Travessa do Teatro, bem no centro da cidade. Foi inaugurado a 20 de junho de 1858, segundo o projecto arquitectónico de José de Sousa Larcher, nome ilustre da arquitectura na época. Na sua inauguração foi representado o drama "Alfageme de Santarém", de Almeida Garrett, por uma companhia profissional.

Fachada do Teatro Portalegrense (©️ SIPA) 

Fachada do Teatro Portalegrense (©️ SIPA) 

Arquitectónicamente, este edificio foi inspirado no Teatro Ginásio de Lisboa, na sua versão oitocentista. E como tal funcionou, nessa época onde os Teatros da Província serviam para exibição dos espectáculos de Lisboa em tourné nacional e de suporte a grupos e companhias locais. Foi o primeiro edificio a ser contruido para teatro em Portalegre, sendo o sexto teatro mais antigo do País ainda subsistente em Portugal.

Em 1906, assistiu-se à introdução do cinematógtafo neste teatro, com  a organização de 3 sessões. Em 1908, e após diversas beneficiações, este teatro dispunha de um auditório que acomodava o público em 5 frisas, 15 camarotes de 1ª ordem, 15 de 2ª ordem, 45 fauteils, 48 lugares superiores, 84 de geral e 2 galerias. Em 1910, foram feitas beneficiações nas áreas da circulação (vestibulo, portas e escadas da plateia) e de apoio ao publico (bilheteira e restaurante). 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Publico, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Tribuna Alentejo, 2022) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ NIT, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

Interior do Teatro Portalegrense (©️ Sábado, 2019) 

No final da década de 1920, assiste-se a uma decadência progressiva deste teatro, que ficou à margem da dinamização cultural e recreativa, que se desenvolveu em Portalegre, através e outros espaços e circuitos de produção. É por esta altura que, neste teatro, começa a exibir-se filmes, sem que por isso se dispusessem de equipamentos adequados e concebidos  de acordo com os novos modelos  construtivos e arquitectónicos. É neste contexto que surge a ideia da construção de uma nova sala de espectáculos.

Na década de 1940, é considerado como um espaço incapaz para local de espectáculo pela Inspecção-Geral dos Espectáculos, que autoriza o seu funcionamento condicionado, acentuando a degradação da sua estrutura.

Anúncio de Revista Vaudeville "O Pé Descalço" de 1941 (©️ Museu do Fado) 

Nas décadas seguintes, acentuou-se a decadência e degradação deste teatro. Segundo Lauro António, era um teatro antigo (algo arruinado), influenciado pelo estilo italiano, na vertical, composto por plateia, frisas e camarotes. Existiam normalmente 4 sessões semanais (3ª, 5ª feiras, sábado e domingo) e, ocasionalmente, teatro. As companhias de revista, comédia ou drama faziam digressões pelo Pais, incluindo Portalegre no itinerário. Foi aqui que a actriz Amélia Rey Colaço subiu ao palco pela última vez, em 1985, com a peça "El-Rei Sebastião", de José Régio, outro ilustre nome de Portalegre.

Na década de 1980, este teatro foi destruído interiormente, para nele ser instalado um ringue de patinagem, insolitamente rodeado de camarotes. Também serviu de sede para o Grupo Desportivo Portalegrense, fundado em 1925 e para a IURD. 

Este teatro foi classificado como Monumento de Interesse Municipal, através do Aviso n.º 14188/2019, n.º 175 de 12 de setembro 2019, incluido na área protegida da Serra de São Mamede. Foi colocado á venda a partir de 2013. Em 2019 estava à venda no OLX por 350 mil euros, mas até ao momento ainda não foi comprado.

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Em 1932, a escritura de compra e venda do Teatro Portalegrense realizada pela sociedade proprietária ao empresário Jorge Frederico Vellez Caroço, estipulava que não poderia ser dado outro uso a este imóvel, sem que previamente se edificasse uma nova casa de espectáculos em Portalegre. Convém salientar que Vellez Caroço (um antigo oficial do Exército, deputado e senador da I República) geria na época todas as casas de espectáculo da cidade, nomeadamente o Cine Parque Caroço, uma estrutura instalada na cerca da antiga "Fábrica Real" (actualmente, Câmara Municipal), junto ao Jardim da Corredoura, inaugurada em Agosto de 1930.


Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Local do antigo Cine Parque (©️ Portalegre Abandonada, 2016) 

Segundo Lauro António, este cinema abria nas noites quentes de Verão e propiciava experiências magnificas, como ver um filme numa esplanada ao ar livre, com refrigerantes na mesa, correndo-se o risco de levar com uma chuvada de Verão.

Tinha quatro classes de lugares com os seguintes preços: "Reservados" - 4$00 e 5$00; "Cadeiras" - 3$50; "Superior" - 2$50; "Geral" - 1$50. Também tinha um bar para as pessoas se refrescarem do calor, sendo um espaço para as pessoas se reunirem. À entrada do recinto compravam-se rebuçados e amendoins, para consumo na sessão de cinema. Havia casa cheia quatros vezes por semana (3ª e 5ª feiras, Sábado e Domingo). Actualmente, o espaço encontra-se ao abandono.

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Segundo Lauro António (2021), o Cine Teatro Crisfal, localizado ao cimo do Jardim da Corredoura, era um edificio típico da década de 1950, inserido na febre dos Cine-teatros existentes no país, em réplicas inspiradas no Cine-teatro Monumental em Lisboa. 

Lauro António, então adolescente, assistiu à sua inaguração a 29 de setembro de 1956, com uma actuação da companhia Amélia Rey Colaço-RoblesMonteiro, que, para assinalar o facto, permaneceu neste espaço durante uma pequena temporada, com duas ou três peças do seu repertório. 

Placa de inauguração de 29-09-1956 (©️ Discoteca Crisfal, 2006)

Este edificio foi obra de iniciativa privada, construído por um conhecido industrial de Santo António das Areias. A designação "Crisfal", advém da obra poética de Cristóvão Falcão, poeta nascido em Portalegre, ao que se supõe, entre 1515 e 1518, no seio de uma família nobre. Foi uma personagem curiosa, aventureira e talentosa, tendo sido educado no Paço, desde novo, onde aprendeu Belas Artes e casou com uma menor sem consentimento dos familiares, o que o levou á prisão durante 5 anos no Castelode São Jorge, em Lisboa. Ao sair, procurou pela amada que se encontrava no Mosteiro do Lorvão e iniciou a sua éscrita da écloga "Crisfal", que retrata a paixão arrebatadora por essa mulher. Em 1542, o Rei D. João III, para evitar escândalos, envia Cristóvão para Roma como seua gente particular. Regressado ao reino, é despachado em 1545 como capitão da fortaleza de Arguim em África. Novamente no continente, volta a ser preso em 1547, por agressão a um fidalgo. Em 1551, é perdoado, casando 2 anos depois com Isabel Caldeira, perdendo-se o seu destino a partir daí, tal como acontece com o herói no final da écloga "Crisfal", cujo nome tudo indica que seja criptónimo de Cristóvão Falcão. Esta obra foi publicada entre 1543 e 1546, numa folha volante e, mais tarde, em volume. 

O Cine-teatro Crisfal, projectado pelo Arqt.º Domingos Alves Dias, em colaboração com o Eng.º Raul Dias Subtilé um edificio de 2 andares, que apresenta uma arquitectura modernista, cultural e recreativa, com linhas rectas, volumes articulados, decoração despojada, com relevo e pinturas monumentais na fachada e paredes. A sua sala de espectáculos é composta por plateia, frisa, 1º e 2º balcões, placo, teia e cávea. A plateia divide-se em pares e ímpares, com 22 filas com 12 lugares cada. Contem frisas ao fundo, quatro de cada lado da entrada. O 1º balcão é suportado por 8 colunas  lisas e estreitas, dividido em pares ímpares, com 10 filas com 12 cadeiras cada. O 2º balcão com cinco filas de cadeiras. O palco contém uma cávea por baixo, boca de cena com moldura azul e dourada, écran de projecção na parede, ao fundo, e teia com varandim, com 3 janelas para o exterior, junto ao tecto.


Plantas do Piso 0 e 1 do Cine-teatro Crisfal (©️ Frederico Corado)














Imagens exteriores e interiores do Cine-Teatro Crisfal (©️ SIPA, 2001)

Durante décadas, este cine-teatro manteve o cinema, teatro, a música, a dança, os bailes de finalistas e de Carnaval, chegando a albergar entre 1988 e 1990 um Festival de Cinema, organizado por Lauro António, no mês de Outubro, numa época em que nenhum particular conseguia assegurar o funcionamento da sala com lucro previsivel. Apesar da sua estrutura arquitectónica ser notável, era um edificio que, nos finais da década de 1980, encontrava-se em mau estado de conservação, com cadeiras pouco confortáveis e um aquecimento central arcaico (que gastava imensa electricidade e e não aquecia convenientemente, chegando os espectadores a levar cobertores para a sessão de cinema).

Imagens exteriores e interiores do Cine-teatro Crisfal em 1989 (©️ Frederico Corado)

O "Festival Internacional de Cinema Portalegre" realizou-se por 3 vezes, com ajuda camarária, apesar do acordo que nunca se fez para a compra do imóvel. Para manter a sala aberta e assegurar a continuidade do festival, por mais 2 anos, Lauro António teve de gerir este cine-teatro, com os seus custos associados. Apesar disso, conseguiu aguentar 2 temporadas e 2 festivais, onde perdeu imenso dinheiro, com fins-de-semana de lotação esgotada, mas com perto de 11 empregados de sala que não podiam ser despedidos e filmes a cobrarem mais de metade da receita, para além dos custos astronómicos com lâmpadas que se fundiam rapidamente e artigos de higiéne. Contudo, Lauro António assume que "foi uma experiência curiosa, só possivel pelo cruzar de duas paixões: o cinema e Portalegre" (2021).  



Cartazes do Festival Internacional de Cinema Portalegre (1988-1990 ©️ Frederico Corado)

Programa do 2º Festival Internacional de Cinema Portalegre - 1989 (©️ Frederico Corado)
 



Imagens cedidas por Frederico Corado

Em 2007, quando visitou Portalegre, Lauro António cruzou-se com a filha do tal industrial de Santo António das Areias, proprietário do edificio,  que lhe explicou o projecto que tinha em mente para manter o edificio activo, com outras funcionalidades, nomeadamente uma discoteca, bar e estúdio por forma a cativar os jovens da região. Esta nova vida durou somente 5 anos.




Imagens do interior da Discoteca Crisfal (©️ Blogue da Discoteca Crisfal, 2006)

Com a inauguração do Centro de Artes e Espectáculos a 5 de novembro de 2006, e com a exibição de filmes também no Museu das Tapeçarias, este cine-teatro assinou o seu atestado de morte como sala de espectáculos. Em 2017, este edificio encontrava-se à venda no OLX, tendo sido classificado como Monumento de Interesse Municipal, no Aviso n.º 8595/2022, DR, 2.ª série, n.º 81 de 27 abril 2022. Incluído na Área Protegida da Serra de São Mamede.

Lauro António (2021) recorda como era viver a experiência cinematográfica na década de 1950 em Portalegre. Os cinemas publicitavam as suas sessões nos jornais locais, mas sobretudo numas folhas volantes em A4, de fina textura, quase transparentes, que se distribuiam na sessão anterior e depois pelas mesas dos cafés mais frequentados, sendo impressas na Tipografia Casaca.


Fontes:

ANTÓNIO, Lauro. Masterclasse - Os filmes que eu amo: "A Última Sessão". Em Fórum Luisa Todi, 2021. <https://www.forumluisatodi.pt/wp-content/uploads/2021/10/FolaSala-UltimaSessao.pdf>;

ANTÓNIO, Lauro. Tempo de Liceu em Portalegre. Em blogue "Lauro António apresenta...", 2007. <https://lauroantonioapresenta.blogspot.com/2007/06/tempo-de-liceu-em-portalegre.html>;

CÂMARA MUNICIPAL DE PORTALEGRE. Edificios Modernistas. Actual. <https://www.cm-portalegre.pt/visitantes/turismo/patrimonio-cultural/edificios-modernistas/>;

CARDOSO, Berta. Teatro Portalegre, Revista Vaudeville "O Pé Descalço" 1941. Em Museu do Fado <https://www.museudofado.pt/en/collection/poster/teatro-portalegrense-revista-vaudeville-o-pe-descalco-1941-en>;

CRUZ, Duarte Ivo. Os problemas do velho Teatro Portalegrense. Em e-cultura.pt. <https://www.e-cultura.pt/artigo/23941>;

LARGO DOS CORREIOS. Maria Barroso - Sob o signo de Benilde - seis. Em blogue "Largo dos Correios", 2015. <https://largodoscorreios.wordpress.com/2015/08/12/maria-barroso-sob-o-signo-de-benilde-seis/>;

PORTALEGRE ABANDONADA. Cine Parque. <https://www.facebook.com/100063504799127/posts/538626232979691>;

SIPA. Edificio do Cine-teatro Crisfal. 2001. <http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10749>;

SIPA. Teatro Portalegrense. 2005. <http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=21346>;

TRIBUNA ALENTEJO. Teatro Portalegrense continua à venda e ao abandono. 2022. <https://tribunaalentejo.pt/artigos/teatro-portalegrense-continua-a-venda-e-ao-abandono?fbclid=IwAR1GN-sjkTaan02FIKq5R_zlJ_Vh583inmV-yYWFljCN0OJ5CWnB8bqcGbA_aem_AZu05CqEGF7tg_9CgjaK2RR5uasH3hMnl8B9tB83TQnBoggX7yR4-CH-ahUJ-dDHpacuy5gckl7s3CHorRJUrRRI>;

UMBELINO, Lina. Desculpe, sabe onde fica o centro? Lisboa: Primeiro Capitulo, 2023. <https://books.google.pt/books?id=i_jpEAAAQBAJ&pg=PT35&lpg=PT35&dq=cine+parque+caro%C3%A7o+portalegre&source=bl&ots=ytPIKX_smY&sig=ACfU3U2sQ_0KJbPgXrZaPSQwEd40A0PGzQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwj14bvJgbuFAxUo_AIHHfGzDPs4ChDoAXoECAQQAw#v=onepage&q=cine%20parque%20caro%C3%A7o%20portalegre&f=false>;

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