12.10.24

Max Cine - o cinema do Alto do Pina

Lisboa guarda na sua memória colectiva histórias fascinantes sobre os antigos cinemas de bairro ou de "reprise", espaços que foram muito mais do que simples locais de exibição de filmes. Um desses exemplos é o Max Cine, popularmente apelidado de “piolho”, que marcou gerações no Bairro do Alto do Pina, uma das zonas mais densamente povoadas da cidade.

Segundo Ribeiro (1978), até finais da década de 1920, os moradores deste bairro viviam sem uma sala de cinema própria. O vazio cultural foi finalmente preenchido em 1929, quando surgiu o Max Cine na Rua Barão de Sabrosa, inaugurado a 14 de setembro. A homenagem do nome não poderia ser mais cinéfila: Max Linder, o comediante francês considerado a primeira grande estrela internacional do cinema.

Max Linder (1883-1925)

Projectado pelos engenheiros Jacinto Bettencourt e Deolindo Vieira, o Max Cine destacava-se pela sua simplicidade e ambiente acolhedor. Tinha 700 lugares distribuídos entre plateia, balcão e camarotes, garantindo conforto num bairro que ansiava por entretenimento. Uma particularidade curiosa era a cabine de projecção: ficava fora do corpo principal do edifício, isolada, como acontecia também no Cinema Olímpia. Como nota Acciaiuoli (2012), a sua arquitectura, com elementos que lembravam um pequeno templo. Talvez não seja coincidência que, décadas mais tarde, essa semelhança tenha facilitado a adaptação do espaço a funções religiosas.

Fachada do Max-Cine (©️ Lisboa de Antigamente, 2017)

Fachada do Max-Cine (©️ Restos de Colecção, 2016)

Embora fosse sobretudo um cinema de "reprise" (dedicado a exibir filmes já lançados), o Max Cine teve momentos de maior protagonismo, chegando a estrear alguns títulos. Em 1931, a revista Cinéfilo noticiava uma campanha curiosa: às quartas-feiras, todos os leitores da publicação tinham 50% de desconto nos bilhetes, independentemente do lugar escolhido. Um gesto que aproximava o cinema ainda mais da sua comunidade.

À semelhança de outros cinemas lisboetas, como o Palatino em Alcântara ou o Salão Portugal na Ajuda, este cinema mantinha uma organização espacial muito próxima dos teatros: palco, plateia, balcões, camarotes e até um buffet no balcão. Lustres decorativos e fotografias de actores completavam o cenário. Esta versatilidade não era por acaso: a legislação da época exigia que os recintos pudessem receber tanto teatro como cinema, o que tornou a experiência arquitectónica dos “piolhos” relativamente uniforme.

Max-Cine na Revista "Cinéfilo" de 1930 (©️ Restos de Colecção, 2016)


Programa de 10 de março de 1935, da colecção de Carlos Caria (©️ Restos de Colecção, 2016)


Bilhete de 13 de novembro de 1961, da colecção Carlos Caria (©️ Restos de Colecção, 2016)

Durante cerca de 40 anos, o Max Cine iluminou as noites do Alto do Pina. Contudo, em 1968, a empresa Max Cine, Lda., decidiu vender o edifício. A compra foi feita pela Paróquia de São João Evangelista, e não pelo Patriarcado de Lisboa, como chegou a circular. A escritura foi assinada a 1 de maio de 1968, e pouco tempo depois o antigo cinema transformou-se numa igreja, servindo a crescente comunidade do bairro.

Assim, o Max Cine seguiu um destino que não foi raro entre as velhas salas de Lisboa: a reconversão. O que antes foi um palco de emoções cinematográficas tornou-se num espaço de espiritualidade e culto, mantendo-se vivo, de outra forma, na vida do bairro.

Max-Cine encerrado em 1967 (©️ Restos de Colecção, 2016)

Igreja São João Evangelista (©️ Restos de Colecção, 2016)


Fontes: 

ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012.

RIBEIRO, M.F. Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939. Lisboa: Instituto Português de Cinema : Cinemateca Nacional, 1978

- https://restosdecoleccao.blogspot.com/2016/02/max-cine.html;

- https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2017/01/max-cine-o-piolho-do-alto-do-pina.html.


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