Esta nova viagem irá incidir sobre a belíssima cidade de Aveiro. Nesta primeira parte, irei falar sobre um dos espaços culturais mais antigos da cidade: Teatro Aveirense.
O Teatro Aveirense, localizado na Rua Belém do Pará, surgiu da necessidade da cidade possuir um espaço condigno para receber os artistas nacionais, que tanto furor faziam noutros palcos pelo país. As diligências para a construção desse espaço começou cedo, mas teve diversos contratempos.
Pedro Augusto Rebocho Freire de Andrade e Albuquerque, Presidente da Câmara, comprou, para tal efeito, um terreno em 1854, fazendo o lançamento da primeira pedra, em Setembro de 1855. Contudo, não foi uma decisão pacífica, porque muitos consideravam que o dinheiro era mal empregue, e que seria melhor que fosse utilizado num... matadouro público.
As obras até começaram rapidamente, e em Julho de 1857, já se preconizava que dentro de um ano estariam concluídas. Contudo, isso não aconteceu. As obras pararam durante vários anos, até que em 1878, um grupo de homens influentes da cidade organizou a Sociedade Construtora e Administrativa do Teatro Aveirense, que, com um novo impulso, deu continuidade às obras que estavam paradas.
Em Março de 1879, na casa do Presidente da Câmara Municipal, na época, Sebastião de Carvalho e Lima, formou-se uma Comissão Directiva, por forma a promover a subscrição de duas mil acções, a cinco mil réis cada uma, para angariação de fundos necessários para a conclusão das obras, no valor de dez contos de réis. Esta angariação foi feita na rua, de porta em porta, por forma a convencer o público a adquirir acções, apelando, ao mesmo tempo, ao sentido patriótico de cada habitante. A campanha foi tão bem sucedida que, num só dia, em duas horas, conseguiu a assinatura de 271 acções, no valor de 1.355$00 réis. A própria Câmara tomou para si 720, num total de 3.600$00 réis. E foi assim que as obras puderam ser concluídas.
Ao fim de vinte e oito anos, no dia 5 de março de 1881, foi inaugurada a principal casa de espectáculo da cidade de Aveiro, com a companhia do Teatro D. Maria II, que fez quatro récitas, entre 5 a 8 de março, apresentado as comédias: A Mantilha de Renda, Amor por Conquista, Os Dois Sargentos e A Estrangeira.
Iniciou-se, assim, uma nova época teatral e cultural, abrindo-se as portas para companhias nacionais, como também locais.
Durante os últimos anos do século XIX, a má gestão deste teatro foi muito falada na imprensa local, desde a não lavração das actas das reuniões; contas pouco claras; número de bilhetes vendidos superior à capacidade da sala; mediocre escolha dos artistas e os empregados faziam o que queriam. Os artistas também se queixavam de roubos e explorações, nomeadamente o actor Taborda.
A sala era bastante desconfortável, tendo sido solicitada, em 1885, a substituição das cadeiras por bancadas iguais às superiores, por forma a que senhoras não tivessem que levantar para dar passagem aos cavalheiros. Em Janeiro de 1888, foi eleita uma nova direcção. Na primeira reunião, foram solicitadas pelo Comandante dos Bombeiros pequenas obras por causa da segurança do público, no caso de incêndio. Se não fossem feitas, o teatro seria fechado.
A Direcção não olhava a meios para obter receitas, nem que para isso vendesse mais bilhetes do que a lotação da sala, provocando situações de pânico entre a assistência, principalmente nas mulheres que desmaiavam. A Direcção foi acusada de explorar o público com estas situações.
Com a chegada do século XX, as dificuldades mantiveram-se. As obras, cada vez mais necessárias, não podiam ser feitas porque o valor das receitas era diminuta, até mesmo para pagar contas correntes.
Este teatro era cedido para os bailes de Carnaval que, apesar de rentáveis, acabavam por provocar tantos estragos que os lucros quase não compensavam. Este tipo de cedência obrigava à desmontagem da plateia, o que por vezes resultava em danos nas cadeiras.
A exploração cinematográfica permitiu um saldo francamente mais positivo, começando em 1907, apesar das obras de adaptação da sala para o efeito, só tivessem sido feitas em 1912.
As sessões cinematográficas tinham mais entradas que os espectáculos de teatro, sendo que o pouco dinheiro disponível era investido no negócio que dava mais lucro.
Contudo, a relação com o cinema era de amor-ódio. Por um lado, trazia mais receitas que qualquer outro espectáculo. Por outro lado, também trazia dissabores, como a qualidade do material não era a melhor, porque muitas vezes as fitas já estavam tão gastas que se partiam, para desespero do público, que mostrava o seu desagrado destruindo as cadeiras e outros materiais existentes na plateia. Certas fitas não eram bem acolhidas, principalmente por pessoas que viam no cinema um meio perigoso de educar a população, sobretudo as crianças.
No entanto, as grandes receitas provinham do cinema, pois o aluguer das fitas era mais barato que o contrato de uma companhia teatral, pelo que a Direcção optava por mais sessões de cinema em detrimento de espectáculos teatrais.
Em 1926, a Direcção que assumiu o comando deparou com inúmeras irregularidades, uma vez que a parte burocrática estava por fazer, com inúmeras dívidas não registadas. Era cada vez mais evidente que as diferentes direcções procurassem quebrar as ligações com as anteriores. Talvez por isso, em 1929, todos os empregados tivessem sido despedidos e fosse aberto um novo concurso para trinta lugares, todos masculinos, à excepção de duas serventes femininas.
Em Janeiro de 1945, foi eleita uma nova direcção, que teria de empreender obras de remodelação. Foram enviadas cartas aos accionistas, com informação sobre a situação estável do teatro, com o inventário em ordem e as contas saneadas. Para se obter mais receitas, aumentam-se os dias dedicados ao cinema (terças, quintas, sábados e domingos), alterando com peças de teatro, declamação ou revistas.
As obras de melhoramento só se realizariam em 1949, devido às inúmeras dificuldades burocráticas encontradas para a sua execução, em virtude do projecto de alargamento para a rua onde o edifício se encontrava, o que inviabilizava o aumento de capacidade da sala. A Direcção, por forma a aproveitar ao máximo as capacidades do espaço, seguiu o projecto do Arqt.º Ernesto Camilo Korrodi, que elevava a lotação para 1178 lugares, um pouco à revelia da Inspecção Geral de Espectáculos que, após a vistoria realizada em Novembro do mesmo ano, informou que foram construídas frisas e camarotes, contrariamente ao determinado; foi construída promonoir da mesma altura que o segundo balcão, excedendo mais de metade da sala e existiam divergências relativamente ao sub-palco.
Para que o teatro voltasse a abrir, foram impostas várias condições, como: demolição dos camarotes, frisas e balcão construídos ilegalmente ou, caso contrário, a sua interdição em espectáculos de cinema. No total, teriam que desaparecer 114 lugares: 10 frisas, 8 camarotes e promonoir, do lado direito e esquerdo, o que fez com que a Direcção optasse por não utilizar esses lugares durante a exibição de filmes.
Lentamente,e à semelhança do ocorrido um pouco por todo o país, este espaço foi decaindo e começou a exibir filmes pornográficos e uma ou outra revista. Também teve a concorrência de outro espaço cultural da cidade, o Cine-Teatro Avenida.
Em 1998, passou a ser um teatro municipal, com a escritura de venda assinada pela Câmara, iniciando um novo ciclo da sua vida ao integrar a Rede Nacional de Teatros. Em 2000, fecha uma vez mais para remodelação total, reabrindo em Outubro de 2003.
Actualmente, a missão deste teatro é ser um espaço de conhecimento, saber e actualidade artística. Tem como objectivo primordial criar, captar e fidelizar públicos para o projecto do Serviço Educativo do Teatro Aveirense, bem como funcionar como elemento facilitador do encontro entre a criação e o público, privilegiando o contacto directo com experiências estéticas, através de um trabalho de mediação entre a criação artística e os diversos públicos (escolar, familiar, adulto e sénior).
O teatro compõe-se por uma sala principal, com capacidade para 603 pessoas, incluindo seis lugares especialmente destinados a espectadores em cadeira de rodas, encontrando-se sub-dividida entre plateia, 1º balcão e camarotes. Equipada com fosso de orquestra, material de iluminação e sonorização cénica bem como de projecção de vídeo; um salão nobre, destinado a exposições ou conferências, com capacidade para acolher 300 pessoas. O uso de equipamento de luz e som para eventos de diversas tipologias concede multifuncionalidade a este espaço, situado junto ao bar, no 2º piso; uma sala estúdio, ideal para a realização de workshops ou ensaios em regime reservado. Possui régie e capacidade para acolher até 150 pessoas. Encontra-se no último piso do edifício, próxima de diversos camarins com elevada capacidade.
A sua programação incide sobre a música, dança, cinema, teatro, exposições, visitas guiadas, workshops, entre outras actividades.
Também desenvolve projectos especiais, como Serviço Educativo, Academia de Artes Digitais em parceria com a Universidade de Aveiro, Festivais, entre outros.
O Teatro Aveirense encontra-se de momento encerrado devido a uma empreitada de renovação, que visa intervir de forma generalizada na conservação das suas infraestruturas, equipamentos e organização funcional.
No entanto, a programação prossegue a partir do mês de maio, com as atividades a serem distribuídas por vários espaços de Aveiro. Nesse período, a bilheteira estará instalada no segundo piso do edifício Atlas Aveiro e, 1h30 antes dos espetáculos, nos respetivos locais (uma hora antes no caso das sessões de cinema).
Prevê-se que a reabertura aconteça em setembro, altura em que será apresentada uma programação que assinalará os 140 anos deste equipamento. A empreitada em curso representa um investimento da Câmara Municipal de Aveiro (CMA) de 1.499.294,54€ e visa a renovação do Teatro Aveirense, após um longo período de utilização intensiva e da ausência de ações regulares de manutenção e renovação do edifício desde a última grande intervenção de reabilitação, em 2003.
A empreitada engloba toda a estrutura e os seus elementos construtivos, as redes de infraestruturas, todos os equipamentos mecânicos e a sua organização funcional, assim como a capacitação ao nível da modernização do equipamento e dos meios de comunicação.
Fontes:
LOPES, Judite Conceição Afonso (2008) Teatro Aveirense, Mestrado em Estudos de Teatro, Faculdade da Universidade de Lisboa
http://www.teatroaveirense.pt/
http://www.teatroaveirense.pt/downloads/DossierPatrocinioTA.pdf
https://www.diarioaveiro.pt/noticia/44702