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15.10.23

São Jorge - O "Gigante" Municipal

Depois de algumas visitas a antigos cinemas de várias localizações do país, regresso a Lisboa para falar de um "gigante" cinema municipal, que ainda se mantém no ativo, mas com funções diferentes, para gáudios dos amantes do cinema. Estou a falar do magnânimo Cinema São Jorge, localizado na Avenida da Liberdade, n.º 175, em Lisboa.

Tudo começou a 28 de novembro de 1946, quando se formalizou a venda de um prédio situado na Avenida da Liberdade, com o valor matricial de 697,920 escudos. A propriedade foi adquirida pela Sociedade Anglo-Portuguesa de Cinema por 640 mil escudos. Esta sociedade reunia capitais lusos e britânicos, representando interesses da Rank Organisation.

Anteriormente, neste terreno, esteve erigido o Palacete do Barão de Samora Correia.

Em 1947, foram desenvolvidos os primeiros ante-projectos deste cinema. Um pelo Arquitecto britânico Leonard Allen, que era muito experiente na construção de edificios congéneres no estrangeiro, e outro pelo Arquitecto português Fernando Silva. A 26 de dezembro de 1947, a C.M. Lisboa aprovou o ante-projecto do Arquitecto Fernando Silva, que visava a edificação do futuro Cinema São Jorge. A sua construção ficou a cargo da empresa "Manuel Nunes Tiago - Construções Civis e Industriais, Lda.".

Arquitecto Fernando Silva (1914-1983)


A 24 de fevereiro de 1950, depois de uma sessão pré-inaugural para funcionários e uma gala para grandes figuras do Estado, este cinema abre as suas portas ao público, com o filme "Os Sapatos Vermelhos", da dupla de realizadores Michael Powell e Emeric Pressburger, com Moira Shearer.




Na época era a a maior sala de cinema de Lisboa, com capacidade para acomodar 1858 pessoas, distribuidas da seguinte maneira: 913 espectadores na plateia e 914 distribuídos pelos balcões de luxo, central e superior.



Foi o primeiro cinema a possuir ar-condicionado e sistema de aspiração interna para eliminação de poeiras. Construído com capitais luso-britânicos, no periodo de apenas 1 ano (1949-1950), era dotado de um palco, dois foyers, sala de projecção privada, instalações para gerência e salas de apoio técnico. Possuía igualmente uma excelente acústica e proporcionava aos visitantes um cenário muito belo e confortante. A cidade via neste cinema uma obra superior, pela sua modernidade de linhas e qualidade de materiais, tendo vencido o Valmor - Prémio Municipal de Arquitectura em 1951.














Como atracção suplementar, o escocês Gerald Shaw, organista da Odeon atuava durante os intervalos dos filmes tocando música num órgão eléctrico, também ele uma obra de arte, que se elevava do palco, surpreendendo os espectadores. Antes de Lisboa, ele fora enviado a Cairo para tocar o Compton do recé-inaugurado cinema Rivoli. À data da sua morte em 1974, ele era o último organista de cinema, activo no Reino Unido.

Gerald Shaw 

Foi nesta sala, em 1965, que estreou um dos filmes mais famosos dos Beatles "A Hard Day's Night". Em Portugal recebeu o estranho título "Os 4 Cabeleiras do Após Calypso"


Os fabulosos Beatles traziam a "Beatlemania" a Portugal, através do cinema. O cartaz, como era apánagio da época, tinha frases de divulgação peculiares como: "Cabeludos!", "Desgrenhados!", mas "Com um ritmo dos diabos". Terminava com um conselho sensato: "Adquira já os seus bilhetes para qualquer dos espectáculos das próximas semanas... assim evitará dissabores!".

Em 1972, a Lusomundo tenta, sem sucesso, comprar este cinema, sendo a primeira de muitas tentativas falhadas. Em 17 de junho de 1974, a Sociedade Anglo-Portuguesa de Cinemas, pediu autorização à C.M. Lisboa para efectuar obras, por forma a transformar a única e enorme sala num complexo de três cinemas. Contudo, o projecto não foi deferido pela edilidade. Em 1980, a mesma sociedade volta a reiterar o pedido, desta vez com sucesso. O projecto de remodelação foi da autoria do Engenheiro Artur Pinto Martins, tendo sido aprovado pelo Conselho Técnico da Direcção-Geral de Espectáculos.

Após a Revolução do 25 de abril, estreou neste cinema a 8 de agosto, o filme sensação "O Último Tango em Paris" de Bernardo Bertolucci, com Marlon Brando e Maria Schneider. Este filme, datado de 1972, só pode ser exibido após a queda da ditadura do Estado Novo em 1974. A sua estreia com lotação esgotada, originou filas durante dois meses e o filme ficou meio ano em cartaz. Esta tinha sido uma obra proibida pelo Estado Novo, por ser simbolizar a libertação, entre a moral e o sexo. O povo ficou escandalizado com a relação amorosa vivida no filme, entre um homem de meia idade (Marlon Brando) e uma jovem (Maria Schneider), com direito a muitas cenas de sexo (quem não se lembra da célebre cena da manteiga?). O filme foi tão polémico que, na época, o matutino "Diário Popular" colocou oito jornalistas a escrever sobre o filme.

Anúncio no Diário de Lisboa, de 08.08.1974






Este cinema encerrou para obras profundas em junho de 1981. Nasceu assim, três novas salas: a antiga plateia transformou-se em duas salas, a Sala 2 com 250 lugares e a Sala 3, com 181 lugares. No antigo balcão, nasceu a Sala 1 (a actual Sala Manoel de Oliveira), que continua a ser a maior sala de Lisboa, com 848 lugares.

As obras de remodelação, que representaram um investimento de 27,500 contos, concluíram-se em setembro de 1981. O cinema reabriu as portas a 25 de setembro, com a estreia do filme "007: Missão Ultra-Secreta", na sala 1, e que contou com a presença do actor britânico Roger Moore (na época, desempenhando o papel de James Bond).

Anúncio do Diário de Lisboa de 24.09.1981





Em julho de 1985, a Rank Organisation abandonou 75% do capital deste cinema e vendeu a sua quota à empresa americana Cinema International Corporation (CIC). O capital português foi adquirido por Simão Fernandes.

Em dezembro de 1990, a CIC solicitou autorização à C.M. Lisboa para uma nova alteração do cinema. O projecto provinha do gabinete do Arquitecto Manuel Guilherme Pardal Monteiro Magalhães, e propunha a manutenção da fachada do edificio e a demolição total do seu interior. O bjectivo era transformar este edificio num espaço multifuncional, dotado de pequenos cinemas (ou auditórios), escritórios, áreas comerciais e estacionamento (à semelhança do que se passou com a segunda reincarnação do Edificio Monumental, em 1993). Contudo, este projecto é chumbado pelo IPPC - Instituto Português do Património Cultural, depois de uma primeira rejeição devido a informação deficiente.


Em 2000, foi celebrado o contrato de promessa de compra e venda entre a CIC e a Euroamer. O Estado, que detinha a preferência na compra deste cinema, prevista na Lei do Património Cultural, indicia que não pretende exercer esse direito. A Euroamer comunica ao IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico, que vai ceder à Velvet os seus direitos no negócio relativo a este cinema. Em Novembro deste ano, este cinema fecha as portas e João Soares, então presidente da C.M. Lisboa, anuncia a intenção de adquirir o imóvel, procurando parceiro para tal efeito.

Em janeiro de 2001, o Presidente da C.M. Lisboa anunciou que a edilidade iria exercer o direito de preferência sobre o cinema, mesmo sem a parceria do Estado, querendo, assim, devolver este cinema o estatuto de grande sala de espectáculos e de pólo dinamizador da Avenida da Liberdade. A compra foi efectuada por um milhão de contos. Em Novembro do mesmo ano, após intervenções na fachada e no seu interior, o cinema São Jorge reabre ao público, com o objectivo de acolher alguns dos principais festivais de cinema: Indie Lisboa, Festa do Cinema Francês, Doc Lisboa, Mostra do Cinema Brasileiros, MotelLX, entre outros.

Em 2003, a "EGEAC - Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural" passou a gerir este espaço, que depois de um periodo de encerramento, para obras de beneficiação, voltou a reabrir ao público em Maio de 2006.

Em 28 de Abril de 2011, a sala 1 foi rebaptizada "Sala Manoel de Oliveira" e a cerimónia contou com a presença do realizador. Em Janeiro de 2020, esta sala sofreu obras estruturais, destinadas á substituição integral do sistema de som, actualmente renovado e adaptado ás exigências do cinema digital.







Actualmente, este espaço dedica-se a festivais de cinema e música, ante-estreias, etc.


Fontes:

https://www.cinemasaojorge.pt/

https://www.fotold.com

https://restosdecoleccao.blogspot.com/2016/07/cinema-sao-jorge.html

https://vamos-ao-nimas.blogspot.com/2022/07/sao-jorge-72-anos-de-cinema-23022011.html

https://www.facebook.com/SaoJorgeCinema/photos/10158968858436252

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/camara-de-lisboa-compra-cinema-sao-jorge/

https://artesonora.pt/breves/maquina-do-tempo-the-beatles-no-cinema-sao-jorge/

https://apaladewalsh.com/2015/07/retrato-de-projeccao-5-o-cinema-sao-jorge/

https://media.rtp.pt/memoriasdarevolucao/acontecimento/a-revolucao-esta-a-ser-televisionada/

https://observador.pt/2020/02/19/70-anos-do-sao-jorge-em-nove-filmes-e-uma-peca-que-contam-as-historias-do-cinema/

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=2750746&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=2331059&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=4001144&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=4002393&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=1586539&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=1586530&Mode=M&Linha=1&Coluna=1

https://arquivomunicipal3.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Imagem.aspx?ID=1586543&Mode=M&Linha=1&Coluna=1



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