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10.2.21

Cinema Roma: um fórum municipal

O Cinema Roma (atual Fórum Lisboa), localizado na Avenida com o mesmo nome, foi inaugurado a 16 de Março de 1957, depois de um processo moroso e complexo e que viu a luz do dia graças à vontade de um homem, Joaquim Braz Ribeiro Belga.

Este alentejano entrou no negócio da exploração cinematográfica a pouco e pouco, ganhando a confiança de investidores que nele reconheciam integridade, inteligência e força de vontade. Em Lisboa, criou a produtora Doperfilme, através da qual entraram em Portugal muitos filmes europeus. Acoplada à sua produtora, fundou toda uma estrutura composta por várias empresas que, juntas, abrangiam todos os sectores da indústria cinematográfica, desde a distribuição, passando pela exibição em salas. Todas estas empresas constituíram o Grupo Ribeiro Belga, um dos maiores do meio cinematográfico durante muitos anos.

Para além do Cinema Roma, que mandou construir de raiz, em parceria com várias outras entidades, foi responsável pela construção do Estúdio 444, que se situava numa antiga garagem, e pela adaptação do Cinema Aviz, que anteriormente fora o Cinema Palácio.

No auge da guerra colonial, expandiu o seu negócio de cinemas para África, sendo responsável pela construção de vários cinemas em Angola e Moçambique, muitos dos quais existem actualmente.

A actividade de distribuição de Ribeiro Belga foi a primeira a divulgar em Portugal filmes da Nouvelle Vague francesa, de realizadores como Truffaut e Godard, bem como outras fitas provenientes de outros países europeus, conferindo a este Grupo um papel primordial no panorama cinematográfico português.

Joaquim Braz Ribeiro Belga (1913-1972)

O Diário Municipal de 2 de Outubro de 1953, explicitava sobre a alienação de um terreno na Avenida de Roma, destinado à construção de um cinema, teatro ou cinema e teatro. A parcela à venda no local onde iria nascer o futuro Cinema Roma, tinha 1050 m2 de superfície, e confrontava por todos os lados com terrenos que pertenciam à C.M. Lisboa (CML). Este terreno tinha sido expropriado aos herdeiros do Conde de Guarda. A mesma publicação refere que as obras iriam começar em 6 meses e que deveriam estar concluídas em 2 anos.

Vista aérea do terreno (ao centro), onde viria a ser construído o Cinema Roma

O projecto inicial de construção deste cinema, da autoria do Arqtº Lucínio Cruz, previa aliar o aproveitamento do espaço de uma grande plateia dividida por zonas a um terraço para sessões ao ar livre. Havia a preocupação de se fazer uma sala com uma enorme qualidade de projecção, por forma a exibir filmes, em formato panorâmico e cinescópio. Como era um cinema de bairro, não havia a precupação de aplicar materiais ricos, nem grandes pinturas murais ou baixo-relevos. O que importava é que fosse proporcionada ao público uma boa projecção e sonorização, assentos confortáveis, tiragem forçada do ar e sua renovação e a possibilidade das classes mais desfavorecidas poderem ver cinema. Como contemplava a valência do cinema ao ar livre, o projecto incluía uma protecção para o terraço e dois elevadores de acesso ao mesmo, com lotação de 10 pessoas em cada um. As galerias que envolviam parte da sala, destinavam-se a bar e "estacionamento ao público" durante os intervalos.


Contudo, com a aplicação da rigorosa Lei de Protecção ao Teatro, nos finais da década de 1950, houve atraso de anos na construção deste cinema. Apesar de ser amplamente contestada, esta lei levantava constantes problemas na construção de cinemas. Mas Joaquim Braz Ribeiro Belga não esmoreceu perante esta adversidade e enviou um requerimento à CML, expondo os acontecimentos, desde a compra em hasta pública do terreno, até ao primeiro grande problema: o despacho, datado de Julho de 1954, emitido pela Inspecção de Espectáculos em resposta ao pedido de construção do cinema Roma, e onde constava a necessidade de se aguardar pela Lei de Protecção ao Teatro, para se iniciar as obras de construção do mesmo.

Havia uma enorme pressão para construção deste cinema. Em Outubro de 1954, o então Presidente da CML, Álvaro de Salvação Barreto,  junta-se à luta de Joaquim Belga  e envia à Inspecção de Espectáculos um pedido de aceleração de resolução sobre este assunto, visto que a CML já se tinha comprometido com o inicio da obra no prazo de seis meses. Alguns meses depois, durante o ano de 1955, a construção do cinema foi autorizada.

Requerimento da CML à Inspecção de Espectáculos - 1954

Finalmente, o Cinema Roma conseguira vencer as adversidades  e ser construído, embora com algumas alterações ao projecto inicial, nomeadamente: a eliminação do terraço e a supressão dos elevadores, que dariam acesso ao mesmo.

Construção do Cinema Roma - Maio de 1956

Construção do Cinema Roma - Maio de 1956

O Auto da 1ª Vistoria emitido pela Inspecção de Espectáculos, datado de 12 de Março de 1957, autorizava a abertura do cinema para 3 dias depois, referindo que as instalações deste cinema estavam em condições de funcionamento, embora fosse necessário fazer algumas modificações, como: indicações das instalações sanitárias e dos locais para fumadores, bem como outras disposições menores. No mesmo auto, era referenciada a necessidade de reservar lugares cativos na Fila A do Balcão Central para o Governador Civil, Fiscalização da Inspecção de Espectáculos e das Contribuições e Impostos, PSP e GNR.

Fachada do Cinema Roma - 1957

Na época, este cinema distinguia-se dos demais, devido à sua construção na horizontal, prolongando a plateia e desnivelando-a, dando origem a 3 pisos diferentes, o que era pouco usual. 
Os outros dois cinemas geridos por Ribeiro Belga, Avis e Estúdio 444, partilhavam desta característica, de ter balcões apenas como prolongamento desnivelado da plateía. Esta opção, para além de ser económica, permitia uma visão do ecrã mais democrática: todos os lugares da sala eram bons para se ver o filme. Com o desaparecimento destes dois cinemas, o Cinema Roma tornou-se no último testemunho do legado do grupo "Ribeiro Belga".
Outra característica que distinguia este cinema de outros na altura, era o facto deste não sendo um cine-teatro, tinha um palco com dimensões que possibilitavam outras funcionalidades, sem ser a do cinema. É importante referir o trabalho do artista plástico, Manuel Lima, na coordenação do mobiliário, decoração e painéis.

Plateia do Cinema Roma

A grande noite da inauguração deste cinema ocorreu no dia 15 de março de 1957, com a exibição do filme "Contos Romanos", uma despretensiosa comédia italiana. Esta inauguração ficou marcada pela presença da estrela do filme, Silvana Pampanini, recebida à entrada do cinema por aplausos de uma multidão de curiosos, bem como dentro do cinema, onde distribuiu sorrisos e autógrafos (link: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/inauguracao-do-cinema-roma/).

Anúncio Publicitário do filme "Contos Romanos"

Anúncio Publicitário do filme "Contos Romanos"

Silvana Pampanini (ao centro, de vestido escuro) com as arrumadoras na abertura do Cinema Roma

Noite de inauguração do Cinema Roma, a 15.03.1957 (Arquivo RTP)

Os jornais diários da época ilustraram a grandeza do acontecimento, nomeadamente o Diário de Lisboa, de 16 de março de 1957:

Crítica do Diário de Lisboa, 16.03.1957

Quando este cinema abriu portas, contava com 1056 lugares, mais 355 do que a actual capacidade máxima. Foi um grande sucesso entre as pessoas das novas avenidas. Contudo, um dos seus objectivos de "dar cinema às classes menos abastadas" não se cumpriu, porque se tornou num cinema com os seus rituais e público próprios e exigentes.

Planta da plateia - 1954

Equipa de trabalhadores do Cinema Roma - 1957

Anúncio Publicitário de 21 de Fevereiro de 1958

Programa de 1959

Comparativamente com outros cinemas mais luxuosos, era um espaço mais simples, com um ambiente considerado excepcional, por quem o frequentava, ganhando assim uma clientela assídua. Fernando Pessa era um dos clientes mais assíduos deste cinema, tendo inclusive apresentado diversos espectáculos, entre os quais, o da inauguração.

Contudo, os bares eram pequenos e funcionavam à direita de quem entrava no átrio do cinema, no piso térreo e no 1º piso, uma vez que não existia um foyer grande.

Já em pleno funcionamento do cinema, em Abril de 1957, entrou um requerimento para obras de alteração do mesmo na CML. Esse pedido justificou-se com a necessidade de aumentar a área dos foyers reservados ao público, principalmente o foyer esquerdo. Assim, os pilares existentes mantiveram-se, havendo uma deslocação da parede exterior com respectivas portas e janelas, configurando um espaço semelhante, ao que é actualmente o Foyer. O cinema acabou por encerrar para obras em Agosto de 1958, reabrindo a 30 de Outubro do mesmo ano.

Foyer do Cinema Roma, após as obras de alteração - 1958

Em Setembro de 1959, houve mais um requerimento para obras de alteração neste cinema, nomeadamente: a demolição das escadas do Foyer lateral esquerdo, que tinham sido necessárias antes da construção do Foyer, visto que serviam de acesso suplementar à plateia. Como esse acesso fora fechado com a construção do Foyer, as escadas deixavam de fazer sentido. Um ano mais tarde, foram colocadas, no mesmo sítio, vitrinas interiores centrais, que perduram até à actualidade.

Em Agosto de 1964, um Auto de Vistoria da Inspecção de Espectáculos referiu a instalação recente de um novo ecrã, com 16 metros de comprimento por 7,30 metros de altura, que permitia a projecção de filmes em 70 milímetros, bem como a existência de novas máquinas de projecção (Cinemecânicas - Vitoria 8). Este mesmo auto referia igualmente que nos espectáculos pelo sistema Todd AO - 70mm, as quatros primeiras filas, com 110 lugares, deveriam ser interditas, porque não ofereciam condições perfeitas de visibilidade.


Foto de Salvador Almeida Fernandes, Arquivo Fotográfico de Lisboa CML


Anúncio Publicitário de 15.05.1964

Em 1970, o Grupo Ribeiro Belga, Lda. fez um pedido de construção de escritórios na parte superior do Foyer lateral esquerdo, com acessos independentes. O parecer do Conselho Técnico da Direcção dos Serviços de Espectáculos foi favorável à pretensão apresentada, dando origem aos pisos que actualmente abergam os serviços da Assembleia Municipal de Lisboa.

Projecto da Fachada do Cinema Roma - 1970

Estreia do filme "Lotação Esgotada" -17.05.1972

Programa de 1972



Bilhete de 13.01.1974

Programa de 1976

Enquanto as alterações à arquitectura se sucediam, sintomáticas de novas necessidades sentidas, o Cinema Roma ia conquistando cada vez mais o seu lugar na cultura cinematográfica e não só de Lisboa. Ao longo dos anos, muitos eventos se realizaram neste cinema, aliando-se muitas vezes às exibições cinematográficas ou complementando-as. Desde a sua abertura que este cinema esteve destinado a ser palco de inúmeros acontecimentos, não só cinéfilos, mas também recreativos, musicais, políticos, sociais e educativos.

Matiné infantil com a artista Marisol - 1964

Anúncio Publicitário de espectáculo de Elis Regina e Jair Rodrigues - 1966

Congresso do PSD - 1979

Congresso do PSD - 1979

Este cinema contava com um grupo de funcionários alargado. Deste grupo, faziam parte: 16 arrumadoras efectivas, 6 porteiros, 4 bilheteiras (além de mais um elemento para colmatar as folgas), 2 senhoras de toilette (e uma para fazer a folga), 4 projeccionistas, o gerente, o secretário e o fiscal, para além do pessoal da limpeza, que era constituido por uma equipa de 10 a 12 elementos.
Além da qualidade da projecção, importava receber bem os espectadores, com aprumo e profissionalismo. As arrumadoras deste cinema, cujo fardamento era examinado diariamente pelo fiscal antes de se abrirem as portas, eram conhecidas como as mais bem fardadas de Lisboa.

Arrumadoras do Cinema Roma, com Maria Ângela.

Arrumadoras do Cinema Roma - inicio da década de 1970

O Cinema Roma era um cinema de "estreia". Cada sala de cinema de estreia exibia um filme em exclusivo, o que permitia criar a sua própria personalidade cinéfila. No caso deste cinema, eram exibidos principalmente filmes europeus, que eram distríbuidos pela empresas do Grupo Ribeiro Belga.

As filas para a compra dos bilhetes eram enormes, visto que o cinema era um entretenimento de crescente popularidade e adesão. As sessões só ocorriam à tarde (matiné) e à noite (soirée).Os programas era distribuídos, com os dados do filme a ser exibido, bem como uma relação de complementos.

As luzes apagavam-se, os cortinados abriam-se e a sessão começava. Não com o filme propriamente dito, mas sim com um pequeno documentário ou filmagens de locais ou um pequeno filmde de animação. Só depois do primeiro intervalo é que o filme começava, tendo direito ao seu próprio intervalo.


Este cinema também teve os seus fracassos. "Música no Coração", um filme importante na história da exibição cinematográfica em Portugal, estando em cartaz mais de um ano, estreou simultaneamente neste cinema e no Tivoli. No inicio, este filme foi um fracasso em ambos os cinemas. O Cinema Roma substituiu-o rapidamente, mas o Tivoli acedeu em exibi-lo, após insistência do distribuidor. Mesmo em frente ao Tivoli, o cinema São Jorge exibia o filme "Goldfinger", que arrastava multidões ao cinema. Assim, e após o São Jorge lotar, as pessoas que não conseguiam arranjar bilhete, tinham a tendência em atravessar a avenida, rumo ao Tivoli. Palavra puxa palavra, e "Música no Coração" começou a ser um enorme sucesso de bilheteira em Lisboa, o que impossibilitou o Cinema Roma de desfrutar de semelhante experiência.   

É importante ressalvar o fenómeno novo  que nasceu das mudanças lógicas de exibição: as ante-estreias. Estas eram eventos de grande prestígio, onde se usava o tapete vermelho e os convidados eram estritamente seleccionados.

A partir da Revolução de 25 de Abril de 1974, este cinema conheceu alguns dos seus maiores êxitos de exibição, devido ao facto dos filmes anteriormente censurados poderem ser vistos pelo público, sem qualquer restrição. Os que tinham mais adesão eram os filmes eróticos, cujos bilhetes eram vendidos a preços exorbitantes no mercado negro.


Contudo, a abertura ao estrangeiro alterou a lógica cinematográfica de Lisboa, tornando mais dificil a exploração de cinema fora do grupo norte-americano, que conquistara grande parte do mercado em Portugal. A Lusomundo começou a ter uma enorme agressividade comercial, que rapidamente se alastrou para as restantes empresas exibidoras, levando aos poucos aos estrangulamento do mercado. E tanto a exibição, como a distribuição do Grupo Ribeiro Belga começaram a ressentir-se dessa situação.

Como os cinemas deste grupo ficavam afastados do centro de Lisboa, porque eram considerados cinemas de bairro, acabaram por se ressentir da crescente importância da televisão, porque as pessoas começavam a ficar mais em casa.

Sentindo a necessidade de se aliar a uma das empresas dominantes, a empresa detentora deste cinema cedeu uma parte do seu capital à Lusomundo, começando a exibir no final da década de 1970, filmes representados em Portugal pela Lusomundo, em alternância com os filmes distribuidos pelas empresas do Grupo Ribeiro Belga.

O último filme exibido neste cinema foi "Comboio em Fuga" de Andrei Konchalovsky, a 13 de outubro de 1988, com direito a muita emoção e algumas lágrimas. As portas encerrar-se-iam definitivamente a 25 de outubro.

Este cinema foi desactivado como tal, e, durante vários anos, funcionou como armazém da Lusomundo. Na reunião de Câmara da CML, datada de 27 de dezembro de 1996, foi aprovada a compra deste cinema pela Autarquia. O objetivo desta compra era instalar a Assembleia Municipal de Lisboa no edificio, bem como mantê-lo aberto para eventos culturais, sociais, educativos, políticos e cívicos, considerados de interesse para cidade. A ideia era criar um forum da cidade de Lisboa.

O Fórum Lisboa acabou por ser inaugurado em 1997, com duas cerimónias: uma sessão solene da Assembleia Municipal de Lisboa e um evento cultural, aberto a convidados externos à edilidade.

O Auditório Principal tem capacidade para 701 lugares, e está provido de mobiliário adequado a um plenário, com mesas de apoio rebatíveis e equipado com som, luz, tradução simultânea, projecção em vídeo e cinema. Possui acessibilidade para deficientes, dispondo de duas plataformas elavatória de acesso ao auditório e palco. A versatilidade desta sala é evidente, porque pode ser utilizada como sala de cinema (equipada com projecção em cinema em 35 e 16mm e projecção de vídeo), de conferências e de espectáculos.

Auditório Principal do Forum Lisboa

Além do auditório, existem outros espaços que pontualmente acolhem eventos próprios ou complementam a actividade programada na sala principal. No 1º piso, existe uma sala de apoio, vocacionada para eventos mais restritos, como reuniões, acções de formação e workshops.

O Foyer grande, para além de albergar uma cafetaria, também funciona como espaço aberto para realização de exposições artísticas nas mais diversas áreas, lançamento de novos livros e discos, debates, conferências de imprensa, entre outros.

Cafetaria

Entrada Principal

Em 2003, a gestão deste espaço passou para a EGEAC, juntamente com o Teatro de São Luiz e Teatro Maria Matos, o cinema São Jorge e o Padrão dos Descobrimentos. Em 2005,  voltou a ser da responsabilidade directa da CML.

Fórum Lisboa

Fontes:

https://issuu.com/isabelfiadeiroadvirta/docs/do_roma_ao_forum_50_anos

https://restosdecoleccao.blogspot.com/2016/09/cinema-roma.html

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/inauguracao-do-cinema-roma/

https://ephemerajpp.com/2019/01/19/programas-de-cinemas-de-lisboa-roma/

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/estreia-do-filme-lotacao-esgotada-em-lisboa/

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/o-cinema-que-vemos-e-para-alem-das-fitas-parte-i/

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