Raul Lopes Freire (homem de
negócios apaixonado pelo cinema e dono do Salão Chiado) inaugurou um novo
espaço localizado no Palácio Foz. Salão
Central era o seu nome e apareceu graças ao sucesso das exibições
cinematográficas que se expandiam pela cidade lisboeta, como também à
perseverança do seu dono. No início de 1908 foi constituída
a “Sociedade Animatográfica, Lda.”, composta pelos associados Carlos Gotschalk,
Raul Lopes Freire e seu irmão Augusto Freire, Carlos Ribeiro Nogueira Ferrão,
Alberto Coutinho Freire e Jaime Guerra da Veiga Pinto, do qual Raul Lopes
Freire seria gerente. O local
escolhido era ocupado anteriormente pelo estabelecimento de Gotschalk dedicado
a maquinismos e utensílios eléctricos e situava-se no extremo norte do Palácio
Foz que, anteriormente, fora a capela privativa do palácio. Foram feitas obras
em tempo recorde para que o salão fosse inaugurado em 1908.
A par
do Chiado Terrasse e do Salão Trindade, esta sala era uma das
mais prestigiadas, luxuosas e cómodas de Lisboa, tendo sido construída na
capela privativa do palácio. A sua decoração era original, criando um ambiente
de fundo do mar no sentido de conferir um certo ar de frescura, efeito esse
obtido através da utilização de cartão-pasta modelado. A disposição do ecrã
também era outra novidade, porque se situava do lado oposto onde se encontra
actualmente e se manteria assim até à grande transformação da sala em 1919. Poderia
acomodar 425 espectadores.
Em
pouco tempo, Raul Lopes Freire consegue obter as partes dos outros sócios,
passando a ser ele (juntamente com a sua mãe e irmãos) os únicos donos deste
salão. E sob a gerência eficaz de Freire, a exploração do mesmo revela-se um
sucesso.
Querendo melhorar e acreditar mais a sua sala no sentido de obter uma programação segura e variada, Freire conseguiu em 1917 a representação exclusiva para Portugal de uma das mais acreditadas firmas importadoras e distribuidoras espanholas, a “Agência General Cinematográfica” de Barcelona. Essa cartada importante fez com que a exploração deste salão se tornasse mais rentável. No mesmo ano, esta sala passou a ter um sexteto dirigido por Carlos Teixeira que acompanhava musicalmente todos os filmes exibidos.
Raul
Lopes Freire era um homem de negócios, extremamente dedicado à exploração
cinematográfica. Em 1919, encerrou este espaço para obras. Sob a sua concepção
técnica e sob projecto do Arqt.º João Baptista Mendes, a reconstrução deste
salão foi profunda e ficou a cargo do construtor Manuel Eanes Trigo.
A sala
era constituída por uma ampla plateia (por aquilo que normalmente se tem
chamado de balcão de 1ª ordem) ao qual foi dada o nome de tribuna, que dava
lugar a cinco camarotes e, num nível superior, ao balcão de 2ª ordem. A sua
inauguração também no mesmo ano foi um verdadeiro acontecimento no meio
cinematográfico lisboeta. Foram saudados a largura do espaço o que permitia
ventilação; a abertura de novas portas de saída; o desaparecimento das incómodas
colunas que estorvavam e claro, os pormenores luxuosos evidentes no rico pano
de veludo que encortinava o ecrã; no mobiliário ostentoso; nas esculturas
ornamentais, na decoração em branco e oiro. Também é de salientar a existência
de um novo sexteto musical dirigido por Luís Barbosa, uma importante figura do
panorama musical português da época.
Raul
Lopes Freire no intuito de melhorar, modernizar e tornar mais atraente o seu
salão ao público, resolveu transformá-lo mais uma vez em 1929. O aspecto que
mais se evidenciou desta vez foi a utilização de madeira cara, que contribuiu
para modificar completamente o interior do salão, com a oferta de novas
poltronas na plateia como também na antiga tribuna, cujas primeiras filas
desapareceram para dar lugar a uma ordem de camarotes. Por outro lado, o antigo
2º balcão foi substituído por camarotes. Contudo, todas estas transformações
atrás referidas não impediram que o público começasse a afastar-se devido à
abertura de novas salas em diferentes zonas da cidade, acabando por forçar o
seu encerramento.
Em
1958 foi recuperado e serviu de instalação para a Cinemateca Portuguesa até
1980, quando a mesma se mudou para as instalações da Rua Barata Salgueiro. A
partir daí neste espaço passou a funcionar a Cinemateca Júnior, mantendo esta
função actualmente. Já não tem a famosa orquestra, mas possui um piano que serve
de acompanhamento na exibição dos filmes mudos, como também acontece noutras
salas da Cinemateca. O espaço do actual Salão Foz possui uma exposição interactiva de pré-cinema chamada Das Lanternas Mágicas ao Cinematógrafo dos Lumiére, uma viagem pelos primórdios do cinema desde as sombras de luz até aos cinematógrafos. Todos os sábados existem sessões de cinema.
É
também importante evocar uma história curiosa…depois do 25 de Abril de 1974,
esta sala começou a exibir filmes do cinema de Leste proibidos pela ditadura,
graças a Vasco Granja (o mesmo senhor que marcou o panorama televisivo
português com os seus programas de animação, também do Leste, que eram
transmitidos na RTP2 há muitos anos atrás). Em suma, este cinema ganhou vida através de uma outra reencarnação mas sem nunca deixar de ser o que é...um espaço dedicado à 7ª arte, à magia do cinema.
Fonte:
ACCIAIUOLI, Margarida, Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2012
RIBEIRO, M. Félix, Os mais antigos cinemas de Lisboa, 1896-1939, Lisboa, Instituto Português de Cinema/Cinemateca Nacional, 1978
http://restosdecoleccao.blogspot.com/2010/11/antigos-cinemas-de-lisboa-4.html
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2013/01/central-cinema.html
http://cinemaaoscopos.blogspot.com/2010/02/central-1908-actualidade.html
Frequeentei esta sala depois do 25 de abril em sessões de cinema organizadas pelo Vasco Granja com cinema de Leste que tinha sido proibido durante a ditadura. A bilheteira era na janela da Calçada da Glória e o bilhete era 5 escudos se não estou enganado. Depois foi gerida pela cinemateca durante uns anos, antes de ter sido recuperado o edifício da Barata Salgueiro. Bom cinema a baixo preço. Nos Restauradores existiam 4 salas: Salão Foz, Eden, Condes e outro no centro comercial Xenon)!!! mais o Odeon e o Olympia na Rua dos Condes e o Politeama nas Portas de Sto Antão e o Animatógrafo no Rossio. Até o Coliseu chegou a passar cinema (tinha um ecran gigantesco) Hoje está tudo fechado ou mudado.
ResponderEliminarObrigada Elfaria pelo teu comentário.
ResponderEliminarDe facto, todas as salas na zona dos Restauradores já praticamente desapareceram ou então reincarnaram noutras funções. É pena que uma zona tão bonita de Lisboa esteja tão despovoada de cinemas, quando antes era considerada uma zona nobre para se ver filmes e teatros.